Narrativas interativas é tema de aula inaugural

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No dia 03 de maio de 2011 o professor, membro do? TCAv e coordenador do Grupo de Estudos em Narrativas Interativas, Tiago R. C. Lopes, participou da aula inaugural do curso de graduação em Letras da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), apresentando a palestra “Narrativas Interativas: as lógicas do digital em experiências de escrita colaborativa em sala de aula”.

A palestra teve como foco a apresentação de três casos de atividades realizadas em sala de aula em que narrativas colaborativas foram desenvolvidas através de serviços? e ferramentas digitais – twitter, blog e plataforma Moodle de ensino ? distância.

Abaixo, segue o relato da palestra:

Vou relatar brevemente três experiências de usos de ferramentas digitais para a criação de textos colaborativos em sala de aula, as quais julgo serem inovadoras e passíveis de serem aplicadas por professores das áreas de produção textual e língua portuguesa. Em síntese, todas elas possuem em comum o fato de partirem do uso de ferramentas e serviços digitais online bastante comuns, como twitter e blog, contudo, não são as tecnologias digitais que tornam essas experiências interessantes, mas, em outro sentido, é a emergência de um tipo de pensamento que opera pelas lógicas dos meios digitais, um “pensamento digital”, poderíamos definir, que funciona como uma espécie de algoritmo que orienta a estrutura subjacente a cada uma dessas experiências.

“Pensar digitalmente” é apreender as lógicas do digital e aplicá-las em diversos contextos sejam em ambientes onde prevalesçam meios digitais ou analógicos, on ou off-lines. No meu entendimento, pensar digitalmente compreende quatro características fundamentais – hipertextualidade, emergência, convergência e conectividade – as quais apresentarei brevemente aqui:

Hipertextualidade
O digital é hipertextual e isso quer dizer que ele é tanto técnica quanto conceitualmente hipertextual. Portanto, entender as lógicas de como textos se formam em contextos hipertextuais é necessário para compreender as lógicas do digital.

Emergência
Conceito trabalhado em diversos campos – biologia, física, matemática, computação. Define-se da seguinte forma: Em um dado sistema, a articulação de comportamentos simples nos baixos níveis podem gerar comportamentos complexos nos níveis mais altos do sistema. A emergência opera por esse princípio de baixo para cima (bottom-up).

Convergência
A convergência é antes um fenômeno cultural do que um fenômeno tecnológico. Os meios digitais convergem tecnologicamente e geram dispositivos multifuncionais. Isso significa que os conteúdos (sejam eles de entretenimento ou informação) podem se mostrar fragmentados e direcionados para diferentes plataformas. Paradoxalmente, a convergência gera dispersão e fragmentação, constituindo uma das principais lógicas que orientam modalidades de consumo de conteúdos culturais contemporâneos.

Conectividade
É antes um princípio do que um conceito. Tanto a hipertextualidade, a convergência e a emergência operam por esse princípio que sugere a conexão em várias dimensões: técnica, estética, ética, discursiva, social, cultural, política etc. A conectividade é o virtual que se atualiza e também comparece aqui como grande urgência do dispositivo contemporâneo, uma espécie de demanda que se traduz pela conexão generalizada das pessoas entre si e com o aporte das tecnologias digitais.

Quando aplicados em experiências de sala de aula, estes princípios visam, no limite, criar condições fovoráveis para que ambientes de ensino-aprendizado apresentem algumas qualidades que caracterizam os ambientes digitais: imersão, agenciamento, interatividade e colaboração.

Não vou me ater a nenhum destes termos mas, em resumo, poderíamos falar no desejo de criação de ambientes de ensino-aprendizado que sejam ao mesmo tempo: imersivos, tal como se pudessem envolver os seus participantes em uma experiência próxima a que vivenciamos ao assistir filmes ou quando jogamos jogos digitais; promovam a sensação de agência ou agenciamento, que se define pelo prazer resultante de respostas positivas ? s nossas ações quando em interação com um dados sistema; operem através de diversos tipos, níveis e graus de interatividade; e que sejam, acima de tudo colaborativos, instituindo a dimensão de conexão social que caracteriza o uso dos meios digitais.

A seguir, um breve relato de três experiências de escrita colaborativa em sala de aula:

Twitconto
O primeiro caso visa o uso do serviço de “microblog” twitter, como ferramenta de criação textual. Essa atividade foi elaborada por mim e pela professora Dra. Isa Mara Alves para ser usada como introdução ao uso do twitter em disciplinas de língua portuguesa no curso de Comunicação Digital e foi batizada como “twitconto”.

Primeiramente, todos os alunos criam um início de um história (limitada em 140 caracteres). A segunda etapa é de votação e escolha do texto que será usado para ser postado no twitter, dando início ? história (é o primeiro capítulo, ou twitcapítulo). Após, os outros alunos vão postando continuações dessa história, até que todos tenham participado. Ao final, discute-se o que foi produzido e, acima de tudo, como foi o processo de elaboração conjunta da história.

Nessa fase, várias questões são levantadas: como ocorre o transporte de uma forma tradicional (o conto) para uma mídia social online como o twitter, que limita as intervenções em 140 caracteres? Como fica a questão da participação coletiva?

Dois aspectos são particularmente interessantes: o primeiro é o uso do twitter para a produção de texto literário, quando, na verdade, não se trata de um serviço voltado a esta finalidade. Nesse sentido, apropriar-se do twitter para criação de textos literários coletivos é pensar sob a lógica do remix e da conectividade, que são as lógicas que atravessam as mídias digitais. Portanto, trata-se de “pensar digitalmente” antes de pensar o simples “uso” de ferramentas digitais. O segundo aspecto é a própria lógica da negociação que se estabelece na medida em que a “autoria” do texto é colocada em xeque quando todos participam da construção da mesma história: há que ser compreensivo, ter “jogo de cintura” e espírito de grupo para não ficar chateado com possíveis caminhos que a história tome e que inevitavelmente acabam por desagradar alguns.

Hiperficção Colaborativa

A segunda experiência é o uso de ferramentas de blog para a construção de histórias colaborativas. Nesta situação, a cada semestre, os alunos da disciplina de Ficção Interativa do curso de Jogos Digitais, criam continuações de histórias publicadas em um blog – http://estoriascolaborativas.wordpress.com. O interessante é que essas histórias são coletivas e assíncronas, ou seja, os alunos colaboram com aquilo que foi produzido por outros alunos em semestres anteriores e assim o projeto aproveita o “passado” da disciplina atualizando-o a cada semestre.

Um outro aspecto fundamental é a estrutura que orienta os modos como as histórias desse blog se desdobram. Ao final de cada capítulo, duas alternativas se colocam para o leitor, ele pode seguir para uma alternativa A ou B. Assim, cada história começa no “capítulo 1” e segue para duas alternativas de “capítulo 2”, em seguida para quatro alternativas de “capítulo 3”, oito de “capítulo 4” e assim por diante, criando histórias que se ramificam e se estendem hipertextualmente.

Mais uma vez, trata-se de “pensar digitalmente” explorando as possibilidades de construção de hiperficções (é o gênero literário que define esse tipo de história que se bifurca) em blogs, ou seja, ferramentas que não são feitas para este propósito.

Estórias Colaborativas

O terceiro e último exemplo de produção de texto de forma coletiva é através de uma atividade, também realizada na disciplina em EAD de Ficção Interativa do curso de Jogos Digitais, que mistura técnicas de Role Playing Games (RPG) com produção de textos colaborativos. A primeira etapa é de construção de personagem: os alunos desenvolvem uma ficha contendo nome, idade, descrição física, características psicológicas, histórico, uma imagem de referência e o início de um história protagonizada pelo personagem. Em seguida, é criado no Moodle um fórum para cada um dos personagens. Na página do fórum aparece a ficha do personagem tal como descrito anteriormente. O primeiro “tópico de discussão” constitui-se no início da história do personagem que o aluno entregou junto ? ficha, trata-se do “Capítulo 1” da história. A partir desse tópico “Capítulo 1” os outros alunos devem, uma vez por semana, sugerir continuações para a história. O autor da história deve então escolher aquela sugestão que lhe agrade mais para então desenvolver o “Capítulo 2”, repetindo-se a dinâmica novamente até que se encerre a atividade (geralmente no “Capítulo 6”).

É importante destacar que essas práticas de sala de aula ganham desdobramentos no Grupo de Estudos em Narrativas Interativas, vinculado ? graduação de Jogos Digitais, no qual participo como coordenador – http://geniunisinos.wordpress.com. Nesse grupo, dentre outras atividades, fazemos usos dessas dinâmicas para criar textos que embasam a construção do que chamamos de “universos ficcionais narrativos”. Estes “universos ficcionais narrativos” servem de base para outras atividades (criação de jogos, filmes, outros textos literários etc.) e são baseados em pesquisas de referências de diversos tipos, sendo a principal forma de criação através de textos gerados a partir de sessões de jogos de RPG elaboradas e conduzidas pelos alunos.

Outros contextos para a criação de narrativas colaborativas

Há ainda outras práticas que incluem este “pensar digital” – hipertextual, convergente, emergente e conectivo – e que comparecem nas atividades de produção audiovisual dos cursos de Comunicação Digital e Publicidade e Propaganda. Contudo, dada a complexidade desse processo, o relato sobre estas práticas demandaria um outro texto, com foco no audiovisual e não somente no texto escrito, conforme propus ao início desse depoimento.