Na segunda noite da XV Semana da Imagem na Comunicação Unisinos, o doutor Lúcio Amaral falou sobre a sua trajetória arqueológica de pesquisa em busca de compreender como se desenvolveu a publicidade na web ao longo dos anos. Lúcio defendeu sua tese em 2016 sob o tema “Do player à interface: escavações publicitárias no Youtube em busca da relação entre os meios” no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Comunicação da Unisinos. Na noite da última terça-feira, dia, 09 de maio, o pesquisador refez seus passos, retomou conceitos, autores e imagens que estudou ou coletou durante 4 anos e resultaram em sua pesquisa de doutorado.
Como publicitário, professor e atuante no mercado, Lúcio se sentia instigado a buscar fragmentos e cacos de uma história da publicidade que ainda não havia sido contada pelos principais autores da área, que não se pautasse apenas nos premiados, nos vencedores. Foi neste impulso de colecionador, buscando um site aqui, uma imagem ali, que a pesquisa de Lúcio começou, ainda que ele mesmo não tivesse consciência disso. Mais tarde, no processo da pesquisa, continuou com essa prática de navegação em busca de afetações, que chamou de Flaneurias digitais, orientado pela perspectiva teórica de Benjamin (2006).
Mesmo antes de iniciar a pesquisa, no meu trabalho como publicitário, sempre tive muita curiosidade em entender como a publicidade se apresentava em outros contextos midiáticos e tecnológicos, por isso estava sempre buscando influências, pesquisando em sites, arquivos, para ver o que havia e como era a publicidade desde os primórdios da web.
Embora tenha ingressado no doutorado com uma ideia de pesquisar a publicidade colaborativa ou participativa no contexto da internet, ao conhecer a perspectiva teórica/ metodológica da linha de pesquisa I – Mídias e Processos Audiovisuais e do grupo de pesquisa Audiovisualidades e Tecnocultura: Comunicação Memória e Design (TCAv), outros autores e conceitos foram incorporados dando a sua pesquisa uma cara nova. Lúcio partiu da questão: Como a relação entre os meios comparecem nas peças publicitárias produzidas para o YouTube?. Para dar conta de seu problema de pesquisa a Arqueologia da Mídia foi sua base metodológica e o levou a articular o momento tecnológico com o que via em diferentes épocas na interface do YouTube, além de desenvolver um trabalho retroativo de escavação na web em busca de peças publicitárias esquecidas que ficaram à margem.
Uma das ferramentas utilizadas por Lúcio para ter acesso às mudanças da plataforma do YouTube, durante seus 12 anos de funcionamento foi o Wayback Machine. O site, que faz parte da Internet Archive, é uma iniciativa que busca produzir um banco de memória de sites descontinuados ou versões antigas de interfaces ainda em funcionamento. Através dele o pesquisador procurou perceber as transformações da publicidade neste espaço e como isso se relacionava com o contexto tecnológico e midiático de cada período.
De acordo com o palestrante, sua pesquisa teve três grandes frentes de estudo: a publicidade, herança de sua formação e sua trajetória profissional; a tecnocultura, incorporada a partir das vivências do TCAv que o possibilitou ter um olhar mais amplo sobre o objeto; e o protagonismo audiovisual, instigado pelo grupo e pela linha de pesquisa, mas também por ser uma característica muito forte da cultura contemporânea. Essa última abordagem levou Lúcio a definir o YouTube como objeto empírico, já que o considera um espaço complexo por natureza e muito frutífero para pensar essa ambiência tecnocultural de produção e distribuição de imagens audiovisuais de todos os tipos.
Foram três os principais autores que embasam teoricamente a pesquisa de Lúcio. O primeiro foi McLuhan (2007), para quem: o meio é ambiência; os novos meios influenciam e são influenciados pelos antigos; meios podem reconfigurar hábitos sociais e comportamentos coletivos; meios podem criar novos ambientes no seu entorno. Lúcio também trabalhou com Bolter e Grusin (1999) que vão desenvolver alguns conceitos a partir da leitura da obra de McLuhan, eles pensam a remediação como representação de um meio em outro, uma incorporação que evidencia conteúdo do meio original e ainda traz melhorias em relação a outro meio. “Como por exemplo a possibilidade de interação do usuário com peças publicitárias no YouTube, o que na televisão não ocorria, ao menos não de forma tão direta”, aponta Lúcio. O terceiro autor é Manovich (2001) que trabalha com a ideia de informatização da cultura a partir da utilização do computador e com o conceito de interface cultural, uma interface que media o contato entre o homem, o computador e a cultura. Através desses autores Lúcio pode desenvolver a ideia de que “a web é um multimeio, pois possibilita a coexistência de todos os outros meios”.
Um dos movimentos da pesquisa foi traçar um histórico da publicidade na web, que começa no ano de 1993, com a exploração comercial e popularização da internet. Nesta escavação Lucio identificou 4 grades fases:
- Grande novidade: O primeiro movimento da publicidade na web, quando o funcionamento do meio ainda era desconhecido e não havia um perfil formado de público, foi a digitalização da publicidade impressa, com o tempo iniciou o desenvolvimento de novas gramáticas específicas para a web. O primeiro banner foi lançado em 1994.
- Centro no próprio meio: Depois da publicidade impressa é a vez da tv, do cinema e dos games entrarem na web. A publicidade ganha um ar multimídia com a utilização de vídeos, áudio e texto e outros recursos. Neste período a publicidade na web poluía as páginas, com muitas cores e movimentos, cada banner querendo chamar mais atenção do que o outro até a regulamentação do Google que criou os links patrocinados, deixando o ambiente mais clean, estética que dura até hoje.
- Centro nas experiências pessoais: O usuário tomando frente nas ações; Ferramentas que possibilitam produção, colaboração e compartilhamento; O usuário ganha protagonismo na disseminação das mensagens publicitárias; o destaque para a marca aumenta e diminui o enfoque no promocional; valoriza-se mais a experiência da marca e menos o produto; ocorre uma personalização das marcas com a entrada delas em redes sociais e contato direto com o usuário
- Atualidade: Marcada pela convergência de variedades muito grandes de formas publicitárias; preponderância da relação entre os meios; usuários participam mais do processo de difusão de uma ideia publicitária.
Constelações da publicidade no YouTube
Depois dessa visada mais histórica Lício passou a olhar para o YouTube, para entender como ele se construía neste contexto e de que forma a publicidade vinha se desenvolvendo neste ambiente. Ele observou que a dinâmica do audiovisual publicitário na plataforma ocorria no jogo entre usuário e interface. Pensando em termos de audiovisualidades, constata que o audiovisual no YouTube, vai além do player, é um processo do qual participam vídeo, usuário e interface. Essa ambiência acaba por propiciar uma constante remediação de peças publicitária produzidas para o YouTube de acordo com Lúcio.
A partir das análises, Lúcio organizou os pontos mais importantes da pesquisa em 3 constelações: 1) Ambiência: onde observou os modos de ser do YouTube, do banco dados e do comparecimento da publicidade; 2) Homenagem: onde constatou uma forte rememoração de outras mídias no audiovisual publicitário do YouTube; 3) Reforma: percebeu iniciativas que buscavam preencher lacunas de outros meios – abrindo para uma maior interatividade.
Retorno à Semana da Imagem
Como estudante de doutorado Lúcio já havia participado de outras edições da Semana da Imagem como ouvinte, hoje volta já formado com o papel de compartilhar o conhecimento adquirido em sua pesquisa. Lúcio avalia de forma muito positiva a sua participação e esse formato do evento que valoriza as produções acadêmicas locais:
É muito bom poder mostrar o nosso trabalho, em especial por ter feito parte do grupo. Eu já estive do outro lado, como espectador, e me lembro como era inspirador conhecer a pesquisa de outras pessoas que vieram antes de mim. É interessante poder compartilhar desse processo e o resultado dele pois todos nós pesquisadores passamos por coisas muito parecidas – questionamentos, dúvidas e angustias – e ver como essa trajetória produz conhecimento é muito importante. Agradeço por poder voltar. Quem está hoje na plateia nos assistindo poderá nos próximos anos estar aqui na frente também, isso é muito produtivo.
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