Design, sonologia e artemídia se conectam no universo produtivo de Alessandra Bochio e Felipe Castellani
Os trabalhos artísticos e as pesquisas realizadas por Alessandra Bochio e Felipe Castellani são resultados de uma trajetória pessoal coberta de grandes experiências com os sons e imagens em sua forma híbrida. Alessandra é doutora em Artes Visuais pela Escola de Comunicações e Artes da ECA/USP, realizou estágio de pesquisa na Université Sorbonne Nouvelle Paris 3, em Paris, sob a supervisão do Prof. Dr. Philippe Dubois e Felipe é mestre e doutor em música na área de Processos Criativos junto ao Instituto de Artes da Unicamp, e bacharel em composição musical pela Faculdade Santa Marcelina. Entre 2013 e 2014 realizou estágio de pesquisa no Centre de recherche Informatique et Création Musicale (CICM), Université Paris 8/ Maison des Sciences de l’Homme Paris Nord.
Autores de Turbulência, uma obra que alarga as relações possíveis entre tecnologia, imagens e sons, Alessandra e Felipe são artistas multimídias e ressignificam as percepções e produções sonoras e imagéticas em suas performances, assim como em contextos de criação coletiva e colaborativa.
Na 16a. Semana da Imagem, os artistas e pesquisadores irão tratar de Design e Imagens Interativas, no dia 17 de maio às 20h, no Auditório Bruno Hammes da Unisinos.
A entrevista a seguir foi realizada pela Jornalista e integrante do TCAv Madylene Barata.
As produções artísticas de vocês perpassam novas formas de perceber as imagens, os sons e as interações, como se deu/dá esse processo?
Alessandra e Felipe: As interações entre práticas e meios de expressão distintos ocupam um lugar central em nossas pesquisas tanto do ponto de vista prático, ou seja, no desenvolvimento de trabalhos artísticos, quanto do ponto de vista teórico-reflexivo, expresso em nossas atuações acadêmicas. Tal foco, se deve especialmente às nossas trajetórias individuais. Cada um de nós toma como ponto de partida suas formações, repertórios e experiências individuais, de um lado, no campo das artes visuais, e de outro no campo da música. Além disso, também buscamos trabalhar com artistas vindos ainda de outras áreas das artes, como a dança contemporânea, a performance, ou o design.
Nesse sentido, é interessante notar que essa base interdisciplinar de nossa pesquisa vem se intensificando ao longo do tempo e cada vez mais nos interessa buscar formas de dissolver as identidades disciplinares que delimitam os territórios da música e das artes visuais, caminhando em direção a territórios mais híbridos e indeterminados. Um exemplo é a nossa última performance audiovisual, Turbulências, criada coletivamente com a Isabel Nogueira e o Luciano Zanatta. Nesta, partimos de um mesmo aparato/processo tecnológico para a geração de sons e imagens, a saber as vibrações produzidas por alto-falantes emitindo baixas frequências, tornando indissociável a separação entre a produção sonora e visual no contexto deste trabalho.
Como poderiam se aproximar os termos design e dispositivo no modo em que vocês veem o vídeo?
Alessandra e Felipe: Uma aproximação com o design em nosso trabalho se dá no desenvolvimento dos aparatos tecnológicos; em cada diferente contexto faz-se necessário pensar soluções distintas para a produção sonora, imagética, para as ações performáticas, ou ainda para a participação do público. Contudo, no campo da arte esse desenvolvimento não se dá de forma utilitarista, mas ao contrário, responde às necessidades específicas do que cada trabalho demanda, muitas vezes subvertendo os usos mais comuns das tecnologias colocadas em questão. Assim, como Fernando Iazzetta (2009, p. 188) aponta em seu livro, ocorre um imbricamento entre a criação dos trabalhos artísticos e dos instrumentos que serão utilizados nesses próprios trabalhos, o que ele chama de lutheria composicional, se referindo no caso ao contexto musical.
Já o dispositivo, é um termo que está presente tanto em nossas pesquisas teóricas, quanto em nossas práticas artísticas. Entendemos o dispositivo como uma rede de conexões entre diferentes meios, materiais e práticas artísticas; está atrelado, para nós, às manifestações artísticas que não se apresentam mais necessariamente sob a forma de objetos, uma vez que se voltam para os seus processos operatórios e relacionais. A noção de dispositivo nos permite pensar, em primeiro lugar, os trânsitos operatórios entre os meios visuais e sonoros, e em segundo lugar, a obra artística como um todo interligado, na qual os seus componentes são definidos pelas relações que estabelecem, sugerem e desenham entre si.
Por que é importante investir cada vez mais na pesquisa em audiovisual?
Alessandra e Felipe: Podemos pensar que a importância do investimento nas pesquisas em audiovisual se justifica por ser um campo importante dentro das práticas artísticas atuais, refletindo igualmente um aspecto central de nosso contexto sociocultural contemporâneo. Abordamos, em alguns de nossos textos, a noção de generalidade do vídeo, que diz respeito a uma imagem que se adere muito facilmente a manifestações artísticas diversas e que é definida a partir das relações que estabelece com outros meios, materiais e práticas artísticas. A partir dela reconhecemos o vídeo como um meio descentralizado, que expande as suas especificidades em direção a outros meios e práticas artísticas. Com isso, avistamos um espectro bastante amplo daquilo que chamamos de audiovisual, nos permitindo enxergar a abrangência e a necessidade das pesquisas nessa área.
Neste sentido, talvez um outro ponto a ser levantado não é apenas o investimento no campo do audiovisual, mas também no campo da artemídia, termo utilizado hoje para designar produções artísticas que são criadas a partir de alguma mediação tecnológica e no qual compreendemos que nossas pesquisas estão. A mediação tecnológica é parte integrante de nosso contexto e faz-se necessária a constituição de um campo de reflexão crítica e de experimentação artística. Tal campo já é consolidado e bastante fecundo no contexto universitário brasileiro, apesar dos problemas habituais de falta de recursos e estrutura. Contudo, o que vemos hoje é um desmonte sistemático do ensino público e da pesquisa acadêmica em nosso país, colocando em risco a continuidade dos trabalhos desenvolvidos e impedindo que os jovens pesquisadores tenham condições mínimas de desenvolverem seus trabalhos.
(Alessandra) O tema da convergência audiovisual foi de grande interesse na tua trajetória como pesquisadora, e daí surgiu uma pesquisa de doutorado repleta de grandes referências teóricas e artísticas. Como esse percurso contribuiu para os teus trabalhos atuais?
Alessandra Bochio: Naquele momento, durante a realização da minha tese doutorado, a noção de convergência audiovisual tratou especificamente dos processos operatórios que engendram os relacionamentos entre os meios visuais e sonoros, assim como das potencialidades técnicas, poéticas e operacionais que as novas mídias trouxeram e que possibilitam a convergência entre imagem e som. Busquei, com isso, trazer uma ideia de uma vetorização comum entre ambos os meios. Ou seja, utilizar os mesmos procedimentos tanto para o som, quanto para a imagem. Tais procedimentos comuns fazem parte da nossa poética atual na criação dos trabalhos artísticos. Estamos sempre buscando, Felipe e eu, novas estratégias poéticas e operacionais para pensar o modo como a imagem e som se relacionam. O formato audiovisual já é dado e amplamente explorado, o que nos move é como podemos propor novas estratégias.
(Alessandra) Quais as contribuições que o trabalho junto a Philippe Dubois trouxe para tua formação?
Alessandra Bochio: Trabalhar junto com Philippe Dubois durante o meu estágio sanduíche, em Paris, contribuiu para eu repensar uma série de questões a respeito dos encaminhamentos que eu estava dando para a minha pesquisa de doutorado, naquele momento. Foi durante esse período que eu estudei aprofundadamente os termos intermídia e intermidialidade (o segundo capítulo da minha tese de doutorado foi escrito lá, a partir das nossas conversas) e comecei a desenvolver as noções de dispositivo e generalidade do vídeo. A primeira partiu da minha leitura do livro Vídeo, cinema e Godard, do próprio Dubois e a segunda decorre de questões impostas pela primeira e do meu diálogo com outros autores.
TCav: (Felipe) Tua trajetória como artista e pesquisador encaminha-se pelo estudo da música e suas relações com outras representações do mundo. Conta um pouco como foi tua inserção no meio de outras representações até tua concepção como artista multimídia.
Felipe Castellani: Eu tive uma trajetória bastante centrada na música durante a minha graduação e meu mestrado, foi no início do meu doutorado que comecei a buscar uma abordagem diferente, que desse conta da criação musical relacionada a outras práticas e meios de expressão artística, como a vídeoarte e a dança contemporânea. Além disso, me interessava romper com alguns paradigmas da música europeia de concerto, como a separação entre composição e performance, a ênfase no texto musical (a partitura) e com os “rituais” das salas de concerto. Outro ponto que me interessava bastante era a criação coletiva e colaborativa, na qual a autoria é compartilhada por todos.
Durante esse período desenvolvi trabalhos de criação coletiva e colaborativa com artistas de diversas áreas (dançarinos, performers, artistas visuais, designers, poetas etc) e iniciei minha parceria com a Alessandra. Nestes trabalhos, também desenvolvi alguns recursos de processamento de vídeo digital em tempo real e sistemas interativos com sensores para detecção de movimento, estendendo através das tecnologias digitais as possibilidades de criação que eu tinha em mãos até então.
A partir destes dois eixos, o da criação coletiva e colaborativa e o do trabalho com as tecnologias digitais, fui me envolvendo cada vez mais em projetos em que o som não era o único meio de expressão solicitado e as questões estritamente musicais não eram as únicas, ou até mesmo, não eram pertinentes. Hoje em dia, busco cada vez mais atuar artisticamente em territórios mais indeterminados, que se situam entre áreas distintas das artes, especialmente entre as artes visuais e a música.
Diversos autores assinalam que o som passa despercebido na cultura oculocentrista em que vivemos. Concordas com isso? Como a arte aborda essa questão?
Felipe Castellani: Concordo parcialmente com isso. Não atribuo a falta de importância dado às práticas sonoras apenas a cultura oculocentrista, mas igualmente a cultura disciplinar vigente no ambiente universitário. Apesar do discurso inter, ou transdisciplinar ser algo bem visto nos debates acerca da reformulação dos cursos de comunicação e artes nas universidades brasileiras, são poucos os casos concretos em que vemos a criação de novos cursos de graduação e pós-graduação que verdadeiramente coloquem em relação diferentes áreas do conhecimento. Assim, em um curso de música, os estudantes ficaram apenas imersos nas questões estritamente musicais, em um curso de artes cênicas, idem, em um curso de artes visuais, idem. Ainda há pouco espaço para se pensar o que se cria, ou o que se pode criar entre estas áreas.
Contudo, vemos o crescimento de áreas que surgem do cruzamento entre campos do conhecimento, como a Sonologia, os Estudos do Som e a Arte Sonora que buscam abordagens ampla das práticas sonoras, que não se restringem apenas ao campo do que é considerado tradicionamente como musical. Acredito que é necessário que haja mais espaço para estas áreas dentro dos cursos de graduação e pós-graduação.
Lembramos que A 16a. Semana da Imagem na Comunicação acontece entre os dias 14 e 17 de maio, das 20 às 22h, no Auditório Bruno Hammes e tem como tema central o tema Design, Imagem e Tecnocultura. O evento é gratuito.
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