A discente Bibiana da Silva de Paula defendeu sua dissertação de mestrado na última sexta-feira, dia 01 de abril de 2022, com a pesquisa “O artista parasita: a gambiarra como processo experimental em artemídias sonoras”, sob orientação do Prof. Dr. Tiago Ricciardi Correa Lopes (UNISINOS). Além do orientador, a banca também contou com as participações do Prof. Dr. Marcelo Bergamin Conter (IFRS) e do Prof. Dr. Gustavo Daudt Fischer (UNISINOS).
Definida por Bibiana como uma pesquisa teórico/prática, a dissertação que se propõe a estabelecer uma intersecção entre comunicação, arte e tecnologia, partiu de um objeto que se valeu do método intuitivo (BERGSON), tendo de um lado virtual a ideia de gambiarra e de outro, atual, as artemídias sonoras, como forma de dar a ver de que maneira técnicas e estéticas experimentais se transformam e se reorganizam na atual tecnocultura. Assim, procurou promover o entendimento sobre as formas parasitárias que resultam de artemídias que se utilizam de procedimentos de hacking e eletrônica experimental a partir da reapropriação de mídias obsoletas com finalidades artísticas.
Com forte inclinação sobre a ideia de arqueologia das mídias (PARIKKA, HUHTAMO), o trabalho buscou entender como as materialidades das mídias são apropriadas culturalmente na sua obsolescência. Dessa maneira, o processo metodológico propôs o procedimento de cartoescavação, ou seja, intervenções sobre os materiais empíricos, tendo como base um laboratório de hacking que permitiu abrir as “caixas pretas” para experimentar as sonoridades e expandir as sonicidades dos empíricos, chegando a uma camada mais profunda da escavação tratada como escuta geológica.
O processo instaurado pela pesquisa produziu duas constelações que aproximaram os observáveis por afinidades eleitas no curso da investigação. A primeira constelação, chamada de “Gambiarras Andarilhas”, se debruçou sobre artistas parasitas, tratados como gambiólogos, que elaboram laboratórios de estudos para promoverem obras sonoras em artemídias dando a ver o potencial tecnocultural da gambiarra, entendida, assim, para algo além do caráter de improviso ao qual está mais coloquialmente atrelado.
A cartoescavação produzida com base nesta constelação levou a pesquisadora a recriar o experimento do artista japonês Tomoya Yamamoto, conhecido como Theremin Gambiarrístico, um instrumento baseado no Theremin original, mas agora feito a partir da combinação de três aparelhos de rádio.
Conforme argumentou durante a banca de defesa, Bibiana ressaltou a importância de poder se aprofundar nas questões proporcionadas pela intervenção de hardware hacking e circuit bending de maneira mais aplicada como forma de perceber de que maneira os dispositivos comunicacionais vão sendo inseridos no contexto das artes sonoras. Assim, lançou luz sobre o resgate de materiais obsoletos que são rearranjados através de técnicas de eletrificação e gambioluterismo, combinando novas e antigas tecnologias e criando um elo entre diferentes temporalidades através da gambiarra.
A segunda constelação, chamada de “Gambiarras Domesticadas” formou uma coleção de instrumentos sonoros que tem como base a exploração e uso de sistemas open source (ou de código aberto). O termo “domesticadas” parte da ideia de processos gambiarrísticos que já estão institucionalizados e disponíveis para artistas e gambiólogos nesses tipos de sistemas abertos, através de plataformas amigáveis ao hacking que criam processos colaborativos entre hackers e que, por sua vez, acabam por proporcionar o acesso ao conhecimento.
Além da observação do instrumento conhecido como Theremidi, elaborado a partir da plataforma Arduino, que atualiza novamente o Theremin substituindo a tradicional antena de rádio por sensores infravermelhos e microchips, o laboratório de hacking desta vez produziu uma cartoescavação realizada pela discente com base no sistema eletrônico Drawdio, culminando na criação de um instrumento sonoro denominado de O.S.N.I. – objeto sonoro não identificado. Esse instrumento surgiu com intuito de sonificar uma fita VHS, combinando essa materialidade com outros elementos eletrônicos possibilitados pelo diagrama em questão.
Assim como já havia acontecido nos experimentos em torno da primeira constelação, a pesquisadora ressaltou aqui a importância de perceber como as sonicidades explícitas (os elementos sonoros audíveis das materialidades) podem indicar o caminho para reconhecer as sonicidades implícitas (não audíveis) das mídias, o que, neste caso, possibilitou conhecer mais profundamente as materialidades geoquímicas/físicas do VHS.
O conhecimento mídia arqueológico possibilitado, então, chamou a atenção para algo que o teórico Wolfgang Ernst (2019) alerta a respeito da genealogia do vídeo, onde o sinal televisivo é muitas vezes tido como descendente direto do cinema e da fotografia, mas que na verdade carrega uma profunda ligação com a transmissão vocal telefônica.
Por fim, a pesquisa concluiu que os experimentos realizados por artistas parasitas têm o poder de instaurar outras versões das tecnologias gambiarradas, dando a ver diferentes atualizações dessas mídias, além de inspirar outros devires tecnológicos, permitindo perceber os rearranjos que ocorrem entre mídias e tecnologias através de processos artísticos que complexificam o entendimento sobre o ambiente tecnocultural contemporâneo e dando a ver as diferentes dinâmicas proporcionadas dentro da própria tecnocultura em si.
Em resposta à defesa apresentada pela discente, a banca ressaltou o caráter de originalidade possibilitado pela ênfase dada na pesquisa ao trabalho laboratorial realizado, valorizando o caráter artesanal da investigação que coloca o pesquisador diretamente inserido neste contexto e não mais um simples observador (supostamente) neutro que observa o mundo de fora.
O Prof. Dr. Marcelo Conter citou a qualidade do diálogo criado entre os campos da comunicação e das artes, observando a relação entre parasita e hospedeiro sugerida e que indica também potenciais novas leituras sobre o objeto. Além do crescimento do trabalho evidenciado desde a etapa de qualificação, o Prof. Dr. Gustavo Fischer destacou a enorme contribuição que esta pesquisa traz ao grupo TCAv, não apenas reposicionando o autor Wolfgang Ernst dentro do seu espectro bibliográfico, como potencializando também seu diálogo com outras interfaces comunicacionais. Ficaram, por fim, como provocação da banca, algumas sugestões para aproximar o objeto de outros autores como Deleuze e também expandir a pesquisa em diferentes direções que se mostram interessantes a partir das discussões levantadas.
Com a aprovação final, a expectativa recai sobre a possibilidade levantada pelos arguidores de que este trabalho possa virar um livro, dada sua capacidade de dialogar com diferentes áreas e inspirar novas abordagens experimentais sobre as mídias.
Texto: Augusto Ramos Bozzetti
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