O embodiment nas imagens da tecnocultura do jogar

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A tese “O embodiment nas imagens da tecnocultura do jogar” foi defendida no dia 28 de junho de 2024, às 14h, em modalidade online, pela agora doutora Camila de Ávila. A banca contou com a participação dos professores Dra. Suely Dadalti Fragoso (UFRGS), Dra. Alessandra Maia (FGV-RJ), Dr. João Ricardo de Bittencourt Menezes (UNISINOS), Dr. Tiago Ricciardi Correa Lopes (UNISINOS) e Dr. Gustavo Daudt Fischer (orientador).

Em sua apresentação, Camila explicou que o objetivo da pesquisa foi construir a ideia de embodiment como uma audiovisualidade, sendo uma característica durante nas imagens da tecnocultura do jogar. O estado da arte mapeou 116 trabalhos relacionados ao tema, entre artigos, dissertações e teses, passando por duas filtragem que, ao final, selecionaram nove textos que foram relevantes para a investigação. 

A pesquisa partiu, inicialmente, da compreensão do construto do corpo, aproximando da percepção corporalizada e a noção de embodiment. Deste modo, estabeleceu-se o empírico enquanto um corpo tecnocultural, ou seja, uma construção que se complexifica em meio ao imbricamento da técnica e cultura. 

Partindo da ideia do corpo enquanto construto tecnocultural, tendo a perspectiva da visada bergsoniana onde entende-se o corpo como imagem, a pesquisadora também passou a compreender a relação da experiência corporificada, que cada vez mais convida para engajarmos nossos corpos nos dispositivos eletrônicos, incluindo consoles de videogame. Assim, Camila observou essas escolhas nos jogos de realidade virtual e como elas se atualizam no imaginário das novas mídias.

Hardwares e softwares

A investigação reflete sobre o embodiment enquanto memória, corpo e imaginário tecnocultural, estreitando laços com a área dos estudos de jogos. Camila produziu uma breve arqueologia dos dispositivos imersivos, ópticos e hápticos, utilizando como corpus da pesquisa os hardwares Atari Mindlink (1984) e Oculus Quest 2 (2020), e alguns softwares, como Beat Saber (2018), Dreams of Dalí (2018), Pixel Ripped 1989 (2018), Art Plunge (2019), Half-Life: Alyx (2020) e outros. 

No campo dos hardwares, o protótipo Atari Mindlink (1984) foi projetado para pensar o movimento dos objetos na tela. Esta é uma mídia que já trazia indícios do corpo no processo formativo da imagem. Outro aparelho seria o NextMind, que começou a ser desenvolvido em 2020 e almeja controlar dispositivos através de ondas cerebrais. Apesar de um intervalo de mais de três décadas, ambos utilizam uma conexão com a mente, visível até mesmo em suas nomenclaturas. 

Quanto aos softwares analisados, Camila rastreou gestos e movimentos durante sua experiência com cada um deles. Nas primeiras interações, identificou que a representação “materializada” do corpo encontra várias formas de existir no virtual. O jogo Half-Life, por exemplo, oferece a representação do corpo através das mãos, indicando uma tentativa de tornar transparente o meio e o corpo, estimulando que tal simulação possa (em algum grau) transcender a nossa própria subjetividade. Em Dreams of Dalí, a experiência se revelou contemplativa, sem representação do corpo, mas uma extensão da visão humana, em que se habita o espaço em que os elementos se constituem, podendo deslumbrar-se com imagens de caráter onírico. 

Sentidos do corpo

A tese propõe quatro características do embodiment (ver, tocar, sentir, mover) e três potências (computacional, lúdica e imagética). A pesquisadora observou que a experiência em realidade virtual coloca em maior evidência o corpo do sujeito jogador, partindo da compreensão que o dispositivo jogo sempre foi um demandador do nosso corpo – com suas próprias características. 

Para Camila, a centralidade e a importância do corpo em meio aos jogos não pode ser ignorada. O design contemporâneo tem proporcionado mais interação e usabilidade no desenvolvimento dos games, o que permite uma extensão do corpo envolvida nos controles e demais dispositivos que se estendem para a tela. Ao mesmo tempo que temos uma audiovisualidade da tecnocultura, o embodiment é da ordem estético-comportamental no ambiente virtual, constituindo-se pela ação, não somente pela visão, mas da sensação de presença como um todo. Portanto, temos um corpo-latente nos indicando o embodiment como uma característica de um corpo que pensa para agir.

Galáxia do embodiment

A pesquisa iluminou três constelações: point-of-view (duração imagética com uma característica estético-comportamental que auxilia a estabelecer o embodiment no ambiente virtual, sem se limitar a visão; a aprendizagem envolve também os dedos, mãos, pernas, pés, pele, músculos e articulações); estado contemplativo (devir presente nos jogos que têm como potência a relação corporal, convidando para a exploração de novos mundos, atitudes de descoberta e algum grau de prazer estético); e mente-corpo-háptico (os corpos são tomados pelas tecnologias, não se limitando apenas à conexão com os aparatos, mas se apresentando de outras formas – redes de internet, bluetooth, sistema de hardware e software, periféricos e, também, o nosso corpo, que integra a experiência de formar a imagem e, assim, faz o embodiment habitar o entre imagens).

A tese identifica um corpo que conforma o mundo do jogo, um corpo-latente, um corpo em devir. A percepção da sua existência vai se dar durante a percepção do jogo, sendo um corpo constituído pela potência lúdica e imagética, desenvolvido de maneira computacional e se materializando nesse território de experiência. A manifestação e a existência de um corpo-latente vai demandar que seja percebido para que, a medida que for jogando, possa se relacionar com ele. Nesse sentido, o embodiment enquanto memória apresenta indícios para possíveis tendências que vão sendo construídas e atualizadas nos jogos. 

As constelações apresentam uma galáxia do embodiment, cujas dimensões vão se relacionar com a cultura como um todo. Esse corpo tecnoculturalmente construído se atualiza no imaginário das mídias por meio do embodiment. A diversidade dos softwares experimentados se mostrou produtiva porque o modo de jogar  se difere bastante em cada um deles, ou seja, são diferentes modos de embodiment observados durante a análise. 

Avaliação

A banca foi bastante produtiva, com elogios, questionamentos e muito debate. A professora Alessandra Maia destacou a constituição teórica e metodológica para abordar a relação corporal durante a experiência em jogos, desde os criativos títulos dos capítulos que envolvem produtos da cultura pop até a exploração das constelações e sua galáxia. Os enaltecimentos da pesquisa também foram direcionados para os procedimentos utilizados, como arqueologia da mídia, archaeogaming, escavação, dissecação e outros, que deram conta de um objeto complexo. 

Para a professora Suely Fragoso, foi perceptível que a tese exigiu muito esforço por parte da discente, uma vez que a pesquisa mobilizou vários conceitos, produziu movimentos extensos e avançou com ideias bem desenvolvidas. Na mesma linha, Tiago Lopes identificou o envolvimento de Camila com o tema e sua vocação para a pesquisa acadêmica em games.  O professor acredita que foi possível expandir a bibliografia de base utilizada pelo TCAv, desenvolvendo uma abordagem dentro das materialidades da comunicação a partir de um olhar fenomenológico.

Por fim, João Bittencourt salientou a estrutura do trabalho muito organizada, assim como os marcadores teóricos e processos metodológicos que se revelaram bastante assertivos. Na visão do professor, as três constelações servem como resposta para o problema de pesquisa, possibilitando olhar outras imagens da tecnocultura do jogar a partir dessas perspectivas.

Texto: Max Cirne

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