Participou da 13a Semana da Imagem a publicitária Laura Arrué, que apresentou no evento um resumo do seu projeto de dissertação, intitulado “A interface cultural e suas zonas de conflito: das camadas espacializadas às camadas temporalizadas do Artsy”. Em sua apresentação Laura fala sobre o Artsy, uma plataforma on-line gratuita projetada para conectar usuários à arte. Através de um sistema de procura e de um banco de dados de obras online, o site estabelece conexões entre obras de arte.
Laura tem 28 nos e é publicitária. Atualmente busca espaço e experiência na docência em comunicação. Para ela que é egressa do Grupo de Pesquisa, o TCAv – Audiovisualidades e Tecnocultura: Comunicação, Memória e Design – sempre pareceu o lugar propício para pensar as questões e indagações sobre a pesquisa (desde sua forma embrionária até os desdobramentos que enxerga possíveis hoje, com o percurso da investigação realizada) de maneira não convencional. A autora explica que: ‘neste grupo, pensar o audiovisual implica antes de mais nada lançar um olhar comunicacional-filosófico para as diferentes mídias e plataformas com as quais nos deparamos diariamente. Estas, encaramos como atualizadoras de audiovisualidades, termo que vem dar conta da ideia de construir e tensionar o audiovisual enquanto virtualidade (a partir da proposta filosófica de Henri Bergson)’.
A autora teve também a oportunidade de responder algumas perguntas, aprofundando um pouco mais o assunto abordado na 13a Semana da Imagem. Em uma conversa, Laura pôde comentar sobre o projeto, apresentando uma visão madura sobre o objeto em questão, mas também sobre o processo de realização da pesquisa orientada pelo professor dr. Gustavo Fischer.
1 – Alguns dos termos explorados na sua pesquisa são Interface e Interface Cultural. É notável seu desempenho em tentar falar sobre ambos, procurando pensar não apenas tecnicamente sobre os processos no Artsy, mas também sobre a forma através da qual tecnologia e cultura se afetam na contemporaneidade, produzindo materiais como este. Na sua pesquisa, como você percebes hoje esta ideia sobre o que seria a Interface Cultural dentro e fora do Artsy, e qual o papel da tecnocultura na mesma? E quais autores foram essenciais?
A IC (Interface Cultural) foi a discussão macro que propus. Entender, construir, contextualizar, não necessariamente nesta ordem, que interface é esta e porque o cultural a torna, na minha perspectiva, mais interessante, foi e ainda é um grande desafio.
Apesar do Artsy ser um website focado em conteúdos artísticos (obras, artistas), não é rigorosamente para estes conteúdos que me voltei, mas entendendo-os como constituintes de um conjunto de relações que se estabelece na configuração das interfaces culturais. Assim, o que me interessa, muito antes do teor conteudístico do objeto empírico, é uma outra dimensão do conceito fundante estudado (IC). As interfaces digitais em ambientes online que promovem de certa maneira a inter-relação entre obras e usuários, entre humano e computador, entre arte, comunicação e cultura.
É aí nestas interfaces culturais em ambiente online de visualização, coleção e compartilhamento de arte que se explicitam certos processos comunicacionais. Na nossa contemporaneidade, onde a comunicação vai se dar fortemente em rede, por conta das condições específicas da tecnologia e da informática – sob a forte presença da internet – as interfaces culturais desempenham um papel específico na construção de nossa tecnocultura. É sobre esse processo que me debruço. Assim, à medida que fomos nos defrontando mais com aquele que já era o objeto empírico desde o primeiro projeto de pesquisa, o website Artsy, fomos aos poucos conseguindo construir e formular a discussão pretendida. A construção e formulação da discussão se deu, portanto, através da combinação autores-conceitos com o defrontar-se com o website em questão.
Lev Manovich foi o autor essencial para a discussão da IC (sistema orbital de toda a pesquisa), bem como Henri Bergson, que serviu de pilar para toda a inspiração e construção metodológica que se desenvolveu.
2 – O problema inicial de pesquisa era: Como as interfaces culturais se atualizam nas interfaces culturais do Artsy por relações tensas? Quais respostas você obteve? Resumidamente, o que são as relações tensas?
Precisamos entender que movimento eu estava tentando realizar – para chegar a estas relações – , para então poder chamá-las de tensas. As relações que propus (e outras tantas que poderíamos pensar) só são possíveis, por assim dizer, porque o trabalho sempre se propôs a dialetizar a coisa toda, a IC. Isso implicaria olhar para o todo e não apenas para as partes desse. Logo, nenhum dado eu queria pensar isolado, tudo estava em relação. Em relação a algo, seja pelo link (condição óbvia da web) seja pelo layout da nossa IC.
Nessas relações surgiram certos conflitos e tensões, que mais especificamente construí nas camadas e estratos da dissertação (divisão dos capítulos), que reunia os devidos modo de ser e modo de estar (inspiração bergsoniana). É preciso perceber que a pesquisa em grande parte tem (e busca esse esforço) uma vontade epistemológica de pensar o seu método o tempo todo, e o faz, enquanto reflete sobre o próprio fazer. A tensão (a relação tensa) em grande parte está em dar a ver a camada mais superficial (aquilo que está espacializado) coexistindo com a camada mais profunda (o que escavamos e está mais temporalizado no Artsy).
Poderia justificar o meu próprio trabalho como um trabalho de interface, à medida que este visa o estabelecimento de relações das mais distintas ordens. Assim, estão em convivência as camadas da usabilidade (com os devires da arquitetura de informação, design – sobretudo com as contribuições de Nielsen), a camada dos devires midiáticos (anteriores à web, a partir e principalmente de Manovich) e a última camada, a dos conflitos (com Galloway e a dialética em Benjamin).
Mas afinal, de que formas as Interfaces Culturais foram autenticadas no Artsy? Propomos para responder tal questão, as três constelações produzidas no trabalho: a da usabilidade, dos devires midiáticos e dos conflitos. Mostramos como em cada camada há diferentes tendências em devir, bem como as camadas todas em coalescência, que constituem a IC Artsy. Estancando desta forma, agrupando as interfaces que autenticamos, podemos formar a interface Artsy, essa que é constituída e atravessada por cada uma das camadas, A interface cultural só pode ser assim encarada pois trabalhamos com o entre, o todo e a parte.
3 – Na pesquisa, você usa diversas metodologias dentro do seu trabalho, criando uma transmetodologia, ou como você diz, ‘escavar para cartografar’. Quais motivos te levaram a escolher estes diversos métodos, e como a enunciação do processo de escrita da pesquisa/pesquisador foi importante tanto na construção do trabalho final quanto da metodologia? Metodologicamente, o que você destacaria como mais importante do resultado final da escolha do que foi observado e como foi observado no site?
A metodologia foi onde consegui dar a forma que queria para o meu trabalho, para a discussão. A arque-genealogia tornou possível escavar no espaço e no tempo, tal como pretendia. Assim, buscamos escavar o empírico, com o intuito de abrir o Artsy, tentando deixar mais claro o conjunto de atravessamentos que perpassam o website. Com isso, tentamos formular quatro objetivos que resumem nossas intenções a partir do problema de pesquisa já exposto:
a) compreender e articular diferentes noções e conceitos de interfaces e interfaces culturais;
b) aproximar mutuamente as características do Artsy e as construções sobre interfaces e interfaces culturais, através do movimento de autenticação de suas práticas a partir de um olhar arque-genealógico; estabelecendo relações de conflito a partir de uma escavação para cartografar;
c) fazer uma cartografia que vá do visível ao conflituoso (que permita a apreensão do objeto empírico por camadas) – procurar autenticar as características relacionadas à interface do ponto de vista pragmático (da web), das audiovisualidades e das zonas de tensão;
d) propor novas matizes (contribuições provisórias) ao conceito de interface cultural a partir da cartografia realizada. Ou seja, que imagem de interface cultural é essa.
Encaramos a desconstrução como um modo de ver, acima de tudo uma maneira e uma filosofia de trabalho. Acreditamos que muito antes de uma metodologia canônica, que se encerra em si, encontramos nessa perspectiva de método, nesse princípio, um modo de ser (mais do que um modo de estar) pesquisador. Pensamos a desconstrução enquanto aquilo que vai nos colocar na duração, aquilo que vai fazer com que o fluxo dos pilares da pesquisa esteja sempre vivo, a desconstrução nos colocando em movimento.
Em relação especificamente aos empíricos, acreditamos que um agir genealógico possível é o de justamente intuirmos a duração que lá repousa e tentar organizar o carnaval lá instalado, que é a coalescência de diversos tempos. O que destacaria de mais produtivo no casamento dos métodos escolhidos é a intenção de colocar a IC em um fluxo, e não pensá-la isoladamente (sem passado nem futuro). Aceitar e perceber as interfaces culturais web, genealogicamente, permitiu avançar para dentro do Artsy, para dar um exemplo.
4 – Que motivos te levaram a escolher o Artsy como repositório?
Encarei o Artsy como um objeto nativo da web: ele não existe fisicamente como galeria de arte ou espaço afim. Sua sede é um escritório em Nova York e não um espaço de exposição de arte como um museu, pinacoteca etc. Então, a pesquisadora consegue carregar sua apreciação pela arte e indagações iniciais (sobre colecionismo e memória, depois acerca do conceito de interface cultural, propriamente) para dentro de um artefato que já nasce na (e para a) web. Assim, através do Artsy, buscava as Interfaces Culturais em plataformas online de visualização, coleção e compartilhamento de arte.
5 – Mas afinal, de que formas as Interfaces Culturais foram autenticadas no Artsy?
A Interface foi trabalhada sempre como justamente o ponto ou local onde dois assuntos se encontram e afetam. A partir daí, foram exploradas as camadas/os estratos. Foram três constelações produzidas no trabalho: a da usabilidade, dos devires midiáticos e dos conflitos. Mostramos como em cada camada há diferentes tendências em devir, bem como camadas em coalescência, constituíndo a IC Artsy. Estancando desta forma, agrupando as interfaces que autenticamos, podemos formar a interface Artsy, essa que é constituída e atravessada por cada uma das camadas, A interface cultural só pode ser, portanto, encarada assim pois trabalhamos com o entre, o todo e a parte. O Artsy, em nossa proposta de construto, carregaria todos os devires que estivemos mapeando. Autenticamos nas análises o que estava em devir em cada uma das camadas, o que possibilitou ver o que afinal faz com que a interface possa ir além dessa oferta tangível (textual, imagética), desse invisível e dessas disputas. Buscar iluminar as suas práticas, e ainda fazer incursões dentro do site, procurando estabelecer relações dele com ele mesmo, foram alguns dos nossos passos.
Entendemos, com isso, a Interface como um lugar constituído por um fluxo de devires. Os devires que estudamos impregnam esta interface como uma zona de conflito. Pensar que curtos-circuitos são estes, que choques, que embates, mas sem esquecer o próprio devir web também ali presente. Desse movimento, podemos sugerir que haveria culturas em devir nas interfaces.