Entrevista com Vinícius Andrade Pereira
Vivemos na sociedade de modo geral e no jornalismo, de modo particular, um contraste entre um modelo de visualidadecalcado na escrita e novos modelos de visualidades provocados por “arranjos midiáticos”. O conceito é do pesquisador da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e da Escola Superior de Publicidade e Marketing (ESPM, SP) Vinícius Andrade Pereira e busca expressar um modo de pensar as mídias atuais que não são mais meios bem definidos e diferenciados como podiam ser o rádio e a TV. O celular, o tablet e a televisão hoje possibilitam uma série de usosdependendo dos programas aos quais o usuário tem acesso nesse momento. Na pesquisa que o professor desenvolve no? ESPM Media Lab, laboratório dirigido por ele, Vinícius se depara com novos modelos de visualidade, audibilidade e tatilidade que resultam desses arranjos midiáticos. Vinícius Andrade Pereira falará na XI Semana da Imagem na Comunicação, que acontece na Unisinos entre os dias 20 e 23 de maio de 2013. Ele vai abordar a ? “Visualidade e Linguagens Experimentais em Jornalismo e Narrativas? Digitais”, no dia 22 de maio, no Auditório Central – e sobre essas questões conversou por Skype com o blog do TCAv.
O tema da XI Semana da Imagem na Comunicação é “Para entender as imagens: como ver o que nos olha”. O que isso lhe sugere?
É uma ideia que me deixa muito feliz porque está articulada com o trabalho que me interessa no campo das visualidades. Se eu fosse resumir de maneira muito breve o que me interessa nessa área deinvestigação é a ideia é de que as coisas nos afetam continuamente. As coisas nos afetam material, sensório e psiquicamente. Então, parte da minha investigação tem sido orientada pelo que nossa visão pode apreender do mundo e como ela se transforma dentro do campo que eu chamo de visualidades. Ou seja, a gente nasce com o sentido da visão, a capacidade de enxergar que a nossa espécie adquiriu, mas o que conta efetivamente em nossas experiências com acultura são as visualidades que são conformadas. Elas se conformam a partir dos nossos jogos sociais, culturais etc. Neste sentido, eu tenho me perguntado muito que modelo de visualidade estaria em processo hoje, quando a gente tem esse universo inteiro de novas mídias, de novos aparatos midiáticos que exigem visualidades completamente distintas daquelas nas quais, nos últimos séculos, tivemos nossas visualidades forjadas.
Quais seriam as principais diferenças que você aponta entre as visualidades contemporâneas e os modelos anteriores?
Eu gosto muito de trabalhar essas questões a partir das ideias de McLuhan sobre as mídias eletrônicas que criam uma espécie de espaço acústico. Para ele, o espaço acústico era próprio das sociedades orais, mas posteriormente com a entrada da mídia escrita e sua hegemonia, acabou-se vivendo num espaço visual para depois, com as mídias eletrônicas, retomarmos esse espaço acústico, que é o espaço da ressonância, da simultaneidade e onde não existe nem centro e nem margem. O espaço acústico é multissensorial. Ao contrário do que leitores apressados possam entender, não está dizendo que agora a audição se torna hegemônica, mas que a simultaneidade é o “espaço” criado pelas mídias eletrônicas. Um espaço de muitos sentidos, inclusive tato e olfato. Hoje você precisa tocar no dispositivo midiático, seja na tela ou na tecla, para se comunicar. Você deve operar um console com agilidade e precisão, no caso dos games, ou ainda modelos de consoles que são sensíveis ao movimento, como o kinect. São exemplos de como os sentidos se tornam necessários para uma boa performance diante dos dispositivos midiáticos.
Ainda podemos falar em “visualidades”, quando ela está conjugada com essas outras operações sensoriais, como o tato?
Sim. Ainda podemos chamar de visualidades, mas guardando esse entendimento que existem outras experiências sensoriais. Eu gosto de usar uma expressão para falar dos modelos de mídias que temos hoje: mídias? visuaudiomotoras, que implica a visualidade, a audição e o sistema motor, corpóreo. Então, é um modelo de visualidade distinto daquele que havia com a leitura que demandava um movimento visual de esquerda para direita e de cima para abaixo. Existem estudos que dizem que o jovem olha a tela hoje sem seguir esse modelo linear de leitura clássica, é outro o movimento dos olhos. Outro estudo mostra que jovens que jogam games violentos, desenvolvem uma capacidade de percepção que não-jogadores não desenvolvem. Foram feitas experiências com adultos que não jogavam e depois de oito semanas também começaram a responder a esse novo padrão de visualidade que é sensível a estímulos ultra-rápidos que aparecem na periferia da tela. São processos silenciosos, muitas vezes desconhecidos, de construção de novas visualidades.
A nossa cultura ainda está fortemente marcada por essa visualidade forjada pela escrita, inclusive a web, de maneira geral, as expressões mais dominantes são na lógica da escrita. Você acha que está havendo uma transição de um meio para outro?
Uma das coisas que eu venho tentando é a abolição do uso da palavra “meio”. Venho usando uma expressão que acho que traduz o cenário contemporâneo melhor: “arranjos midiáticos”. O que significa, basicamente, que a realidade que temos hoje é de que os nossos dispositivosmidiáticos, aquilo que poderíamos chamar de meio, se metamorfoseiam continuamente em articulações com outros dispositivos, de modo que você tem uma instabilidade em relação as características formais e estáveis dos meios. Quando você está com um smartphone, que meio seria esse? Isso depende muito de como você se articula com outros dispositivos. Por exemplo, se você acesso a wi-fi, ele vira um desenho de dispositivo midiático, se você está sem internet, o desenho é outro. Se você já baixou aplicativos, ele também está se conformando de outra maneira. Se pegarmos, por exemplo, uma televisão, podemos pensar da mesma maneira. Outrora, no passado, dentro da cultura de massa, esse meio tinha suas características muito bem estabelecidas. A TV se distinguia bem do rádio ou de um jornal impresso. Hoje em dia, a televisão pode ser articulada com outros dispositivos. Ela pode virar o monitor do seu tablet; ela pode virar um grande computador, permitindo que você coloque um pendrive e comece a passar para ela uma série de conteúdos.? ? A TV vai valer mais quanto menos TV pura ela for. É nesse sentido que eu estabeleço minha proposta de pensar as coisas como arranjos midiáticos. Estamos num cenário onde os meios desparecem enquanto dispositivos fechados, formando um jogo de articulação com outros meios que constituem os arranjos midiáticos. Assim, fica difícil seguir o modelo mcluhaniano? que nos mostra um meio com tais características. Não faz mais sentido pensar o celular como se fosse um meio fechado. Para pensarmos quais são asvisualidades que estão emergindo hoje, devemos criar uma série de dispositivos de investigação e de observação e tentar aprender uma espécie de efeito de fundo, de ordem emergente que não se articula especificamente a um meio, mas que já aponta características das novas visualidades.
Que características seriam essas?
Já podemos identificar algumas como a valorização da tridimensionalidade. As expressões visuais, sejam elas no celular, no tablet, na televisão ou até mesmo nos meios impressos, são extremamente valorizadas se evocam profundidade, tridimensionalidade. Isso vem dos games sim, mas hoje até mesmo em suportes bidimensionais está presente. A experiência visual parece que encontra na tridimensionalidade uma espécie de gramática comum aos diferentes arranjos midiáticos. Na medida que você oferecesse uma representação tridimensional, ela rapidamente encontra olhos que se sintam mais a vontade com essa experiência e a valorizam mais. Outra marca dessas novas visualidades seria a valorização de elementos icônicos sobre alfanuméricos.
Que expressões toma essa preferência por elementos icônicos?
Isso nós vemos muito na linguagem de aplicativos ou de softwares, os mais banais como o Office da Microsoft. É a tentativa de representar tudo por meio de um objeto e não de um número ou letra. Ao abrir o Word, por exemplo, onde você tem que salvar o documento vem um desenho de um disquete, que hoje em dia nem se usa mais. Se você quer imprimir, vem o desenho de uma impressorazinha; se você quer recortar, tem um ícone de uma tesoura e por aí vai. É de uma linguagem objetal, de comunicação rápida.
O mesmo aconteceria com a multiplicação de imagens sonoras? Como os sons específicos dos sistemas operacionais x ou y quando liga um computador, quando entra uma mensagem, etc…
Eu não gosto de usar essa metáfora de imagens sonoras porque acho que confundem os registros de análise. Gosto de falar em “expressões sónicas” ou sonoras, ou ainda “audibilidades contemporâneas”. Expressões como a do Windows quando ligamos o computador eu chamo de logos sonoras, formas de escrever uma marca num campo sensorial distinto da visão. Se alguém passa aqui no corredor e ouve aquele modo de chamar do Skype, já o reconhece a partir de uma marca sonora. Acho que isso é feito por uma característica que é a saturação de mensagens visuais. O tátil e o auditivo são maneiras de chegar a um público que está saturado de mensagens visuais. Na verdade não trabalho esses sentidos separados, só didaticamente para encaminhar certos estudos. Penso as novas expressões sonoras como esse universo de som dentro de celulares ou ambientes digitais em diálogo com a visualidade e a tatilidade. A pesquisa busca uma espécie de arqueologia das sensorialidades na contemporaneidade. Como de maneira geral as mídias ainda não são olfativas nem palativas, fico mais nos outros três registros da dinâmicas midiáticas.
Nesse sentido, quais seriam os desafios metodológicos da academia para compreender o cenário multissensorial? atual? ?
Um desafio importantíssimo está nos modelos de ensino e aprendizagem que a academia ainda sustenta. Um professor falando para 50 alunos, concentrado, com foco. Existem várias dinâmicas quepodemos identificar de um modelo de cognição calcado nas letras como se nãotivéssemos acompanhado os novos hábitos e costumes dos jovens fora do contexto acadêmico. No seu cotidiano os jovens se comunicam por números, gadgets, música, filmes, games, etc. Um universo que explora cognições e experiências sensoriais bem diferentes das que exploramos dentro da universidade. Não estou fazendo uma valorização de uma sobre a outra, só estou colocando em questão. Será que realmente precisamos de um livro para explicar certas coisas e não um game ou vídeo? Processos reflexivos e cognitivos como uma lógica matemática mais abstrata e racional pode ser ensinada através de uma experiência como um vídeo? Temos ainda um grande desconhecimento dessa questão.