Audiovisualidades na Pandemia: atualização e duração do terror na tecnocultura

Muito presente nos clássicos do Cinema de Terror, o isolamento serve, constantemente, de alicerce para o desenvolvimento das narrativas desse gênero fílmico. Além de situações de solidão, a questão pandêmica também já foi frequentemente explorada no universo do audiovisual, o que aproxima as produções com essa temática da realidade em que vivemos atualmente em função do novo coronavírus. Dando continuidade à série Audiovisualidades na Pandemia, propõe-se então refletir acerca de alguns materiais audiovisuais de terror produzidos durante a pandemia: o filme Host, a live The House e o evento Noite do Terror Ao Vivo.

Seguindo as lógicas apresentadas pelo filósofo francês Henri Bergson, pode-se considerar que as audiovisualidades seguem existindo visto que se atualizam em busca de sua duração. Essas atualizações são perceptíveis em diferentes modos e formas e evidenciam-se, atualmente, nas produções e nas maneiras de produzir o audiovisual em virtude da quarentena que busca evitar a transmissão da COVID-19. O distanciamento social exigiu que os antigos modelos de trabalho se transformassem e que todas as etapas envolvidas no processo dessas produções artísticas se reinventassem; a partir dos avanços tecnológicos, a elaboração coletiva (mesmo que distante) de diversas obras tornou-se possível e propagou-se pelo mundo.

Aproximando essa realidade do terror, localiza-se o filme Host cuja história retrata um grupo de amigos que vivencia o afastamento social em decorrência da pandemia. A turma decide realizar uma videochamada (através da plataforma Zoom) na presença de uma médium e com o intuito de invocar espíritos. O terror de 57 minutos de duração foi escrito, filmado e editado completamente à distância; o produtor e diretor Rob Savage não se encontrou presencialmente com os atores, logo, o elenco organizou a própria maquiagem, a iluminação e a organização dos ambientes para captação das imagens. Utilizando-se da tradicional estética do estilo found footage (documentários ficcionais de baixo orçamento que costumam utilizar apenas uma câmera), o filme foi lançado em julho na plataforma de streaming de filmes de terror Shudder.

Trailer Host. Fonte: YouTube

A produção de Savage é um exemplo de como a interação entre as entidades tecnológicas e humanas têm se modificado e intensificado. No contexto da tecnocultura, o real e o virtual se aproximam e, conforme afirma Fischer, “[…] nessa articulação são as audiovisualidades que podem ser percebidas como potência, como devir que se atualiza em diferentes formatos, suportes e mídias.” Além disso, ao identificar plataformas de videoconferência e filtros de redes sociais no enredo do filme, nota-se uma expansão da linguagem da internet, que dissolve as barreiras delimitantes dos meios de comunicação. 

Outro caso de uso do terror como entretenimento trata-se de The House, uma transmissão ao vivo pela internet de uma casa conhecida por eventos sobrenaturais e que serviu de inspiração para a sequência de filmes Invocação do Mal (James Wan, 2013). Assim como na franquia, os atuais moradores da casa localizada em Rhode Island (EUA) também são um casal de investigadores paranormais; por conta da pandemia do coronavírus, eles decidiram fazer uma live pela The Dark Zone com duração de uma semana no mês de maio deste ano para usuários pagantes. Várias câmeras ligadas permanentemente foram posicionadas pela residência para que o público pudesse acompanhar, como uma espécie de tour virtual, as possíveis movimentações a todo momento.

Teaser The House. Fonte: YouTube

Após inúmeras exibições de lives musicais e literárias, a transmissão da “casa mal assombrada” do filme Invocação do Mal mostrou-se como mais uma forma de atualização do entretenimento, das audiovisualidades e do próprio terror para que eles sigam durando. Além da relação estipulada entre a casa e a materialidade fílmica do diretor James Wan, outros imaginários são convocados como as sensações desenvolvidas pelo próprio gênero de terror. Inserida em um contexto de uma sociedade em vias de midiatização e influenciada pelo impacto do isolamento social durante a pandemia, a repercussão e a popularização desse evento online ocorreu em rápida escala.

Sob outra perspectiva, Noite do Terror Ao Vivo consiste na exibição de filmes de terror em Drive-in enquanto artistas fantasiados realizam performances para assustar os espectadores em seus carros. Em agosto, na primeira edição do evento que ocorreu em Curitiba, o remake do clássico It – A Coisa (Andy Muschietti, 2017) foi selecionado, já em setembro, na segunda edição, optou-se por Invocação do Mal 2 (James Wan, 2016); os artistas estavam vestidos conforme os personagens dos filmes: o palhaço Pennywise e a freira demoníaca.

Trailer It – A Coisa. Fonte: YouTube

É possível relacionar essa atração ao estágio/memória da técnica referido por Benjamin, que aborda a evolução da tecnologia presente, mas ainda remetendo às antigas práticas; no caso do evento, costumes de teatro e de cinema são retomados, porém, remodelados a partir de novas tecnologias existentes e das circunstâncias atuais. Outro ponto destacado é a questão da experiência proporcionada; as sensações e os sentimentos emergem através de uma troca entre o público, o filme e os artistas, bem como a propagação dessas experiências por meio de publicações na internet que enfatizam as relações tecnoculturais. 

Percebe-se que ocorrem constantes atualizações na forma de produzir e de distribuir entretenimento e na relação do público com as produções, que surgem, muitas vezes, com caráter experimental, mesmo a partir de tendências lançadas. O apagamento de contornos nas formas de expressão artística e o hibridismo dos meios de comunicação também expõe como essa mescla entre diferentes artes e tecnologias tem se renovado. Ainda que com reformulações, o terror mostra-se ancorado em uma memória de características essenciais do gênero que vão se atualizando conforme representam e se aproximam da atualidade. O isolamento social e a pandemia promovem novos medos e intensificam outros antigos; há diversas atualizações do terror acontecendo e reinventando as produções relacionadas ao gênero.

Texto: Amerian Aurich

Referências: 

FISCHER, G. D. Tecnocultura: aproximações conceituais e pistas para pensar as audiovisualidades. In: Kilpp, Suzana; Fischer, Gustavo Daudt. (Org.). Para entender as imagens: como ver o que nos olha? 1ed. Porto Alegre: Entremeios, 2013.

Links:

https://www.shudder.com

https://thedarkzone.tv

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