A Mostra de Conteúdos Digitais Pandêmicos, que aconteceu entre os dias 29 de março a 10 de abril, no Festival de Curitiba, apresentou trabalhos produzidos por companhias e artistas de Curitiba, durante os anos de 2020 e 2021, período em que artistas e trabalhadores da cultura estiveram afastados da presencialidade dos festivais artísticos, em função da pandemia de Covid-19. Agora, devido a liberação para a realização de festivais presenciais, materiais como vídeos, podcast e áudio-séries, foram apresentados durante o Festival de Curitiba (2022), como uma memória daqueles tempos.
Isso nos permite refletir sobre o uso de dispositivos técnicos na produção e distribuição – não somente como produto do e para festivais, mas que oferecem novos sentidos a partir de uma tecnocultura das telas. Espetáculos artísticos que são projetados para o “ao vivo”, onde as infraestruturas de teatro, luzes, som e plateia fazem parte deles, quando produzidos audiovisualmente e divulgados em diferentes plataformas, partem de uma apreensão de técnicas, estéticas e de imaginários próprios do momento, atualizados como um construto audiovisual segundo as técnicas e estéticas digitais. As imagens alimentadas pelo contexto sociocultural da época de 2020 e 2021, foram propostas no Festival como memórias de tempos de isolamento, enquadrando e reenquadrando histórias, acionando experiências e imagens de teatro.
Essa relação se dá pela memória que é tensionada ali, do público e da mídia, segundo experiências propostas em cada conteúdo pandêmico apresentado. É possível pensar como exemplo na produção Rainha de Duas Cabeças – Pandêmico Espetáculo e Distopia Curitibana. Na primeira, Pandêmico Espetáculo, Cezar Almeida apresenta reflexões sobre estar confinado durante um ano e como a vida mudou após a perda do contato humano. Já em Distopia Curitibana, o autor apresenta uma fábula distópica de um ator em um teatro vazio refletindo sobre um tempo que acabou: sobre a presencialidade, quando o teatro necessitava de um público.
Aqui já encaramos a problemática do conteúdo que encerra a ideia das telas, do audiovisual e da atualização de um espetáculo artístico em um novo formato. Essa condição de experiência estética (PARENTE, 2007), concedida a partir do dispositivo em um espaço institucional de um teatro, atualizado no material digital dá a ver as audiovisualidades – qualidades audiovisuais de âmbito técnico, discursivo e cultural – observadas nas materialidades produzidas por estes artistas, percebidas como parte constitutiva da construção desses conteúdos artísticos. São experiências e imagens que duram a partir da construção audiovisual de um espetáculo artístico mediado por telas, onde existem lógicas que produzem estéticas próprias, propostas e experienciadas em espaços físicos.
Dentro desse aspecto podemos compreender que o corpo do artista se modifica entre os enquadramentos o som e o espaço audiovisual e o corpo do espectador, que percebe aquele corpo em um espaço presencial e digital ao mesmo tempo. Ao ser afetado pela imagem digital, a experiência é produzida pelo corpo do usuário que complementa a tecnologia, dado seu potencial para colaborar com as informações apresentadas e para criar outras imagens, mesmo ali, na experiência presencial do Festival – passado e presente mesclam-se entre imagens. Dizemos então que estas imagens produzem memória, coexistindo em permanentes relações – nelas permanecem a coalescência entre o passado e o presente (PEIXOTO, 1993) – e é onde o corpo e o longínquo pertencem à mesma corporeidade. As experiências de isolamento vividas pelo público retornam à tela como imagens, essas propostas audiovisualmente.
Sintoma do que veio para ficar, as práticas de telas ainda serão vistas em festivais, eventos e ensino, mesmo que presenciais. Esse vínculo entre o digital e o presencial não nasceu durante a pandemia, mas ganhou forças por conta da nossa necessidade de comunicar, expressar e adaptar aos novos tempos. Podemos esperar que novas produções sejam realizadas a partir dessas linguagens, experiências e formatos de distribuição, acionando a memória e imagens onde coalescem passado e presente. Formatos que foram atualizados nas materialidades da mídia durante o isolamento, permanecerão como práticas hoje, produzindo memória e experiências daqueles tempos.
Texto: Flóra Simon da Silva
Revisão: Camila de Ávila
Referências
PARENTE, André. Cinema em trânsito: do dispositivo do cinema ao cinema do dispositivo. In: PENAFRIA, Manoela; MARTINS, Índia Mara. Estéticas Do Digital. Lisboa: LabCom, 2007.
PEIXOTO, Nelson Brissac. Passagens da imagem: pintura, fotografia, cinema, arquitetura. In: PARENTE, André (org.). Imagem-Máquina: A era das tecnologias do virtual. Rio e Janeiro: Ed.34, 1993.
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