Audiovisualidades na Pandemia: Preservação Digital na Guerra Russo-Ucraniana

À medida que o conflito entre russos e ucranianos continua a se desdobrar em novos capítulos, é inevitável que o mundo e estudiosos direcionem seus olhares para as consequências socioculturais que o acontecimento tem causado.

Com confrontos realizados em cidades e territórios físicos da Ucrânia, o espaço digital também vem sendo território recorrente de embates, onde provedores de internet, sites governamentais e instituições financeiras são alvos frequentes destes ataques. Recentemente a guerra cibernética ganhou novas nuances, onde a invasão de sites culturais se tornou uma realidade, dificultando o processo de preservação digital de diversos acervos.

Pensando nas consequências deste fato, iniciativas foram criadas para ajudar as instituições da Ucrânia a preservarem seus arquivos digitais – dentre elas a SUCHO (Saving Ukrainian Cultural Heritage Online).

Pôster de divulgação do projeto.
Fonte: SUCHO

Fundada por três pesquisadores de universidades distintas, a iniciativa até o momento já contou com a participação de mais de 1.200 voluntários – dentre eles bibliotecários, arquivistas, programadores e afins -, os quais estão engajados em resgatar e salvar materiais de diferentes bancos de dados ucranianos.

Segundo uma das co-fundadoras do projeto, Quinn Dombrowski, até o momento, a organização já salvou aproximadamente 10 terabytes de dados, incluindo imagens e pdfs, além de capturas parciais de 2.300 sites. Contando com o apoio da Internet Archive junto de demais plataformas de arquivamento, a SUCHO tem resgatado desde materiais de museus ucranianos, até sites de bibliotecas, exibições online, publicações de acesso livre, dentre outras materialidades.

Parte da lista de páginas salvas até o momento pela organização.
Fonte: SUCHO

Para Dombrowski, parte do que mobiliza a organização é a vulnerabilidade dos dados por causa dos bombardeios nas cidades.

“Quando pensamos na Internet, pensamos que os dados sempre estarão lá. Mas todos esses dados existem em servidores físicos e podem ser destruídos como edifícios e monumentos a qualquer momento.” 

É inevitável que o contexto de incerteza que acompanha uma guerra acrescente receio e complexidade ao processo de preservação: se em outros tempos o medo de perder obras estimadas era apenas na vida real, hoje em dia nem as cópias de segurança e reproduções digitais estão totalmente protegidas.

Ainda que se estipule uma “hierarquia” de patrimônios a serem priorizados, como acervos de universidades, museus e institutos de pesquisa, devemos nos manter cientes do fato que a preservação de todo o complexo arquivístico de um país é uma possibilidade insustentável.

Conforme o que o professor e pesquisador Gustavo Fischer (2008) enfatiza em seus estudos, o território digital é um espaço de natureza efêmera – capturar um instante de seu estado é um desafio, uma vez que ele está em um permanente estado de fluxo. Logo, independente da presença de ataques cibernéticos ou não, a qualidade mutante da web torna inevitável a perda de registros de arquivos que um dia ocuparam espaços na rede.

Sob um olhar otimista para o fato, devemos lembrar que há valor agregado às mídias que se perdem em meio a processos – como os pais da arqueologia da mídia Huhtamo e Parikka (2011) propõem em suas abordagens, “…becos sem saída, os perdedores e as invenções que nunca se tornaram um produto final possuem histórias importantes para contar” (p. 3).

Desse modo, além da relevância das histórias que estão por trás dos sites perdidos na web, podemos dizer que o próprio movimento de correr contra o tempo para preservar os arquivos que restam partem de uma natureza também efêmera: por sua demanda ser fruto de uma circunstância, é imprevisível o rumo que iniciativas como a SUCHO terão após o fim dos conflitos.

Independente do cenário porvir, uma condição é certa: as escavações midio-arqueológicas realizadas a partir deste resgate cultural compõem um grande arquivo afetivo responsável por registrar  um período truculento na história da Ucrânia.

Texto: Julia Souza

Referências:

FISCHER, Gustavo Daudt. Desencavando interfaces: reflexões sobre arqueologia da mídia e procedimentos de “resgate” de páginas web. São Leopoldo, 2008.

HUHTAMO, E., JUSSI, Parikka. Media Archeology: Approaches, Applications, and Implications. Berkeley, California: University of California Press. 2011.  

Sites:

https://blog.archive.org/2022/03/22/volunteers-rally-to-archive-ukrainian-web-sites/

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