Lucas Bambozzi é artista-pesquisador atuante em suportes artísticos como vídeo e instalações interativas e já realizou exposições em mais de 40 países. Bambozzi é mestre em Filosofia pela School of Computing University of Plymouth, Reino Unido, (2006) e Doutor pela FAUUSP na área de Arquitetura e Urbanismo (2019). O pesquisador atualmente é professor no departamento de artes visuais na FAAP e na Escola Entrópica no Instituto Tomie Ohtake. Desde 2017 integra o grupo de pesquisa Aparelhamento na Ocupação 9 de Julho do MSTC – Movimento Sem Teto do Centro. Lucas Bambozzi abordará logo mais em sua palestra na XVIII Semana da Imagem um pouco de sua pesquisa desenvolvida na FAUUSP “Do Invisível ao Redor: Arte e Espaço Informacional (O Lugar Instável)”, a qual aborda fluxos de informações e campos eletromagnéticos em espaço públicos. O pesquisador fala um pouco mais sobre a temática em entrevista concedida à Bibiana de Paula, mestranda da linha de pesquisa Mídias e Processos Audiovisuais e integrante do TCAv.
– Em suas pesquisas, você problematiza a noção que temos sobre “lugar†e sugere que consideremos espaços arquitetônicos que incluem cada vez mais aspectos invisíveis. Poderia falar nos um pouco sobre as materialidades destes espaços arquitetônicos invisíveis? De que maneiras podemos visualizar e interagir com este ambiente em suas obras?
Entendo que existem várias formas de perceber essa materialidade. Uma delas, mais tecnicista, consiste em utilizar formas de detecção e medição, através de sensores e aparelhos sensíveis a esses sinais (desde um medidor de campos eletromagnético a gassímetros e apps de celulares). Muitas vezes a “presença†desses sinais (e suas materialidades) acontece em um meio ou tipo de manifestação, que é convertida em outra (como uma interferência que é detectável por um radinho de pilha, por exemplo, que emite um sinal sonoro, mas que pode ser entanto transformado num espectro visível ou em interfaces que podem controlar sistemas mecânicos. Há também que se pensar que a propagação do som envolve partículas (matéria!) em deslocamento no espaço. E que a luz também é constituída por matéria – segundo a física, a luz é onda ou partícula dependendo do experimento que a examina. Outra forma é empregar nossa própria percepção ou imaginação, a partir dessa aferição de dados ou da evidência de sinais. Tanto um processo como outro é passível de ser intercedido por um pensamento artístico, por um devaneio criativo e é isso que mais me interessa. Pois atribuir informações às coisas e aos lugares é um típico de nosso interesse pelas fabulações, pelas que pode haver de discursivo nos lugares. Mesmo quando não somos devidamente informados sobre um lugar, sobre um contexto específico ou das qualidades do espaço, sente-se o lugar, percebe-se o lugar, e atribui-se acontecimentos. Mas minha pesquisa aborda também o aumento crescente de fluxos e sinais nos lugares. Somos rodados por muitas camadas, ondas de frequências variadas, que nos atravessam, que invadem os lugares. As pessoas hoje querem saber se o sinal de celular funciona em determinado lugar, se vão ser encontradas se não houver conectividade em determinado lugar. Foi nesse sentido, buscando evidenciar certas ansiedades de interação, uma certa euforia com o funcionamento e visualização desses ambientes hertzianos em que nos encontramos, que desenvolvi alguns trabalhos que permitem perceber o que se passa em termos de fluxo (e poluição eletromagnética).
–Considerando sua pesquisa teórico-poética, para você, de que formas podemos pensar as imagens?
Eu acredito que as imagens nos tomam de forma cada vez mais completa, mas é o som, que nos faz vibrar através de suas frequências de modo mais físico, que nos oferece uma ideia mais direta de conexão com o espaço, com o entorno. Apesar de ser um artista que não sabe tocar instrumentos, eu gosto de pensar as imagens através dos conceitos e procedimentos envolvidos pelo som, pelos ruídos, pela música.
Por outro lado, minha formação está toda conectada com o cinema e com a videoarte. Mas fico fascinado com a capacidade de gerarmos imagens mentais, e isso para muitos se sobrepõe à ideia de cinema, seja na forma de devaneios ou por conceitos de virtualidade menos afeitos à instrumentalização da produção de imagens. As pesquisas a respeito de como se formam nossas imagens internas não tiveram muito impacto na lógica audiovisual do século XX e continuam a não se encaixar muito bem em nenhuma lógica contemporânea, além de seus atributos lúdicos transitórios ou da curiosidade despertada no período de suas descobertas. Falo das imagens hipnagógicas, “acontecimentos visuais” que pairam entre a vigília e o sono, por exemplo. Na minha pesquisa (doutorado: Do invisível ao redor, arte e espaço informacional), pergunto: uma evolução dos sistemas técnicos de produção de imagens permitiria fazer com que esses sistemas potencializassem as imagens produzidas pelo nosso aparelho sensório? Ou, de forma ainda mais arriscada: as imagens podem se consolidar no que imaginamos? É uma divagação que me acompanha há tempos.
– Levando em conta que as imagens também possuem uma esfera política por vezes não percebida, de que formas as estruturas imateriais poderiam nos ajudar a repensar aspectos políticos que naturalizamos nos espaços urbanos que vivemos e convivemos?
Para além das metáforas que utilizo nessa minhas pesquisa (na elaboração da tese, houveram textos que se transformaram em narração de vídeos, em performances audiovisuais experimentais), me parece importante discernir o que é tido como material e o que é atribuído como imaterial, como forma de entender o que está em jogo – e sim, muito importante: não naturalizado.
Pois como em toda tecnologia, há uma política implícita, embutida e/ou disfarçada nos sistemas informacionais atuais. Há que se perceber isso no controle das redes, na presença ou não dos sinais das operadoras de telefonia, nos sistemas compartilhados, na infraestrutura pesada e dispendiosa que alimenta as redes, nas torres de celulares, nas emissões de rádio, nas interferências sonoras, nos walkie-talkies que vemos nas mãos dos seguranças nos shopping centers, nas portas dos restaurantes elegantes, nas guaritas dos condomínios, nas ruas deixadas às escuras e nas que se iluminam, nas medidas de segurança mencionadas pelos profissionais de TI, no nome que se dá aos repetidores e roteadores wi-fi. Há que se enxergar que políticas são essas, e o que representam. A lógica de mercado, da economia, e sua “mão invisível”, não mais esconde doutrinas e ideologias de dominação. Se vamos ter sinal 5G da Huawei ou se vamos questionar a tecnologia ou o fato de ser a maior operadora chinesa, é parte tanto da micro como da macropolítica. Enxergar esse invisível (que é também o locus da política), é entender do que é de fato constituído um lugar ou espaço.
– Na sua visão, considerando o recorte arquitetônico que você observa, o que o imbricamento dessa arquitetura não visível na nossa contemporaneidade poderia dizer sobre nós enquanto sociedade?
Como dizia, hoje há cada vez mais sistemas, dispositivos, máquinas que nos auxiliam a ver. São como próteses para percebermos melhor o espaço. Isso me lembra uma frase conhecida, atribuída a Gustave Flaubert: “Quanto mais os telescópios forem aprimorados, mais estrelas surgirão no céu”. Mas em meio a isso, sobressai a preocupação e o interesse em perceber de modo as próprias pessoas ativam “em si” essa preocupação em detectar os sinais nos lugares, algo como atentar para o entorno, como formas de introjetar a vibração do ambiente, seja através de câmeras, sensores ou pela escuta e pelo olhar (aparelho sensório) mesmo. Melhor seria falar do subjetivo que escapa ao maquínico – se algo ainda poderá escapar da lógica da inteligência artificial. Então seria mesmo o caso de falarmos de reconciliações possíveis, algo que estabeleça vínculos entre uso tecnológico crítico, consciência coletiva e pulsação de vida. Nós precisamos de sistemas que nos ajudem a ver como atuamos, não de forma narcísica, egóica, mas de forma coletiva, em uma sociedade responsável.
Acompanhe a palestra completa com o Prof. Dr. Lucas Bambozzi hoje, às 17h, na XVIII Semana da Imagem na Comunicação, em transmissão ao vivo via streaming pelo Facebook do TCAv: https://www.facebook.com/audiovisualidadestcav.
Texto: Lucas Bambozzi e Bibiana de Paula
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