Esquenta Compós: Gustavo Fischer e Lucia Santaella falam sobre memória e cultura digital

Na última quinta-feira (17), no YouTube, dois nomes importantes da comunicação do país inauguraram o Esquenta Compós, formado por uma série de atividades que preparam para o encontro principal previsto para junho. Com o tema “Memória e Cultura Digital”, os professores e pesquisadores Lucia Santaella (PUC-SP) e Gustavo Fischer (UNISINOS) debateram a respeito de paradoxos da memória, as eras cognitivas comunicacionais, fetichização do passado e arqueologia das mídias. 

Com 50 livros publicados, Lucia Santaella é reconhecida por sua contribuição nos estudos nacionais da Semiótica. Possui doutoramento em Teoria Literária pela PUC-SP e livre-docência em Ciências da Comunicação pela ECA-USP. É pesquisadora 1A do CNPq, professora titular do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da PUC-SP e coordena a Pós-Graduação em Tecnologias da Inteligência em Design Digital, o Centro de Investigação em Mídias Digitais e o Centro de Estudos Peirceanos. 

Já o professor Gustavo Fischer possui mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), pelos quais estudou o campo das interfaces digitais e suas propriedades midiáticas. Ingressou em 2001 como docente da UNISINOS e, desde 2011, integra o Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação, na linha de pesquisa Mídias e Processos Audiovisuais. 

Live que ocorreu no dia 17 de fevereiro preparou para o evento principal marcado para junho

Memória ao longo dos séculos

Em sua fala, Lucia abordou a trajetória da linguagem memorial a partir das tecnologias, avançando no que intitula “as eras cognitivas comunicacionais do Sapiens”. Tudo se inicia com a cultura oral, na transmissão do conhecimento entre gerações, passando pela cultura da escrita, que a partir da prensa de Gutenberg externalizou a memória humana, e pelas máquinas capazes de produzir linguagem, como a câmera fotográfica, por exemplo, até chegar na era da comunicação de massa, intensificada com o cinema, o rádio e a televisão. 

Aos poucos, com o controle remoto, as videolocadoras e diversos gadgets, o receptor ganha a possibilidade de escolha. Porém, logo em seguida, ocorre a transposição da cultura das massas para a cultura digital, que supostamente propõe a democratização da palavra, deixando de ser dominada pelos meios de comunicação. Por fim, da digitalização passamos para a dataficação, na qual somos convertidos em dados. 

Para a pesquisadora, a memória é a nossa riqueza individual.A constituição da memória de cada um é diferenciada, e isso constitui a nossa especificidade como ser humano singular, tanto que a psicanálise é baseada na memória de vida do paciente”, comenta Santaella. Neste sentido, a questão da memória é conflituosa, gerando ainda mais contradições na contemporaneidade a partir da instauração de um ambiente de fake news e pós-verdade. 

“A memória é humana e se expandiu de uma maneira impressionante que as contradições são imensas. Todos os nossos processos cognitivos são capturados por algoritmos de inteligência artificial”, explica Santaella. Seu próximo livro, “Neohumano: A sétima revolução cognitiva do Sapiens”, irá abordar justamente a memória externalizada do ser humano, quando passa a pertencer às máquinas. 

Arqueologia das mídias

Na segunda fala da noite, o professor Gustavo Fischer ofereceu exemplos práticos de como a memória tem sido estimulada pelas mídias. Ou seja, uma memória midiática arquivada pela própria mídia. Citou os seguintes sites: MyHeritage, cujo o recurso Deep Nostalgia possibilita animar fotos antigas; The Restart Page, no qual é possível rever como os sistemas operacionais inicializavam nos computadores; e o portal Internet Archive, uma iniciativa gratuita que funciona como uma biblioteca digital de livros, filmes, softwares, músicas e outros documentos. 

Dentro do Internet Archive, o pesquisador destacou o Wayback Machine, que permite navegar em versões antigas de websites, como YouTube e Globo.com, dois endereços investigados em sua tese de doutorado. Pensar a finitude dos produtos digitais levou Gustavo a colecionar imagens de projetos que apresentaram mensagens de despedida de seus serviços. Ele destacou a frase de Wendy Chun: “O que dura no online é a sua efemeridade”. 

As iniciativas elencadas por Fischer desenvolvem um trabalho arqueológico, enquanto o pesquisador faz uma segunda rodada de escavações ao buscar esses projetos e compilá-los no site memorianasinterfaces.com.br. A partir desses exemplos, Gustavo chega na definição de construtos de memória como “materialidades usualmente arranjadas em coleções (ir)regulares online de produtos da tecnocultura audiovisual, nas quais se podem escavar determinadas técnicas, estéticas e éticas, autenticando relações contagiantes entre camadas de diferentes qualidades: superficiais, mediais e tecnoculturais”. 

A ideia de escavação é muito atrativa para pensar o trabalho da memória na cultura digital, podendo partir da superfície, que seria interface/conteúdo, passando pelo meio e chegando na tecnocultura, uma dimensão mais profunda em que o fenômeno se manifesta. Esses estudos levaram à criação do projeto de pesquisa LabMem – Laboratório de Memória nas/das Mídias Online. 

Assista

A transmissão completa da live está disponível aqui.

Por: Max Cirne

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