Entrevista com Boca Migotto
Sapore d’Italia é a primeira série de ficção da RBS TV gravada no Exterior. Com elementos de romance e comédia, a série vai ao ar em cinco capítulos a partir deste sábado, dia 20 de agosto, depois do Jornal do Almoço, nos Curtas Gaúchos. Dirigido por Ivanir (Boca) Migotto (na foto, dirigindo a atriz Leonilda Zucolotto) e Rafael Ferretti, o programa é uma realização da produtora Epifania Filmes, com direção de fotografia de Bruno Polidoro. Boca e Bruno são professores do curso de Realização Audiovisual da Unisinos e mestres pela linha de pesquisa Mídias e Processos Audiovisuais na Universidade. O roteiro é de Leo Garcia, e no elenco estão: Rafael Tombini, Artur José Pinto, Miriam Mariani, João França, Carla Camporese, Gisela Sparremberger, Guido Laurijni, Kátia Bortolini, Girley Brasil Paes e Michel Zonatto. Com direção de produção e produção executiva de Mariana Müller, a série começa em Bento Gonçalves, na serra gaúcha, e se prolonga por Roma e o norte da Itália, na região do Vêneto. Na entrevista a seguir, Boca Migotto comenta sobre os desafios de dirigir a série e as relações entre a vida acadêmica e a realização audiovisual.
Quais foram os principais desafios na realização da série?
Os principais desafios para se realizar qualquer produção internacional são os idiomas: em países que não falam a mesma língua, as regras internas para o audiovisual, nos países onde se pretende gravar, bem como as relações diplomáticas, acabam por definir a economia, a política e a cultura desses países. No primeiro caso, mesmo que se domine a língua do país onde se pretende gravar e, no nosso caso, era o italiano, o simples fato de ter que traduzir todo e qualquer documento de produção significa trabalho dobrado. Desde o primeiro projeto que enviamos aos organismos italianos, passando por roteiros, cartas de autorização, enfim, todo documento era produzido em português e precisava ser traduzido ou vice-versa. Imagine o trabalho de traduzir 5 roteiros de 15 minutos cada, praticamente um longa metragem, com diálogos e descrição de cenas e sempre levando em conta o contexto que envolve essa tradução, afinal estamos falando de uma comédia e alguma piadas que funcionam em português não funcionam no italiano. Além disso, nem todos da equipe dominavam o italiano, então no final das contas, a produção se transformava numa torre de babel onde se falava italiano, majoritariamente, mas também inglês, português e até espanhol. Sobre as regras internas de produção na Itália muito se bateu cabeça, muito sono foi perdido e muitas portas se abriram e fecharam ao longo de um ano de trabalho. Para gravarmos em Veneza, por exemplo, era preciso autorização do Governo do Vêneto, pois seria inviável realizar gravações nas ruas da cidade sem tais autorizações. Mesmo assim, muito em função dos nossos parceiros italianos da Jenga Films, Christian Cinetto e Marta Ridolfi, tudo deu certo. O nosso orçamento já era baixo, pois estávamos produzindo uma série internacional com os mesmos valores aplicados pela RBS TV para curtas gravados no Brasil. O contrato já estava assinado e, ao final do período estipulado era preciso apresentar 5 programas com qualidade de TV para irem ao ar, entretanto, desde o ato de assinar o contrato até o recebimento das parcelas para que fosse possível trocar reais por euros, ficamos alguns meses grudados na cotação do euro, torcendo para que não subisse. A Itália estava iniciando um processo de crise financeira naquele período, que está se intensificando agora, e nós ficamos com medo de que isso influenciasse a cotação do euro e os preços de itens básicos de produção como comida, gasolina, hospedagem, etc. Mas no final, tudo deu certo.
Qual seria o destaque da série?
Acredito que o mais positivo de tudo foi conseguirmos produzir 5 programas de uma série internacional de ficção, que sempre demanda mais esforço e cuidado do que uma série documental, com o orçamento que nos foi apresentado. Tudo deu certo, tempo, temperatura, locações, atores e atrizes que participaram das gravações, a relação entre os integrantes da equipe, tanto entre os brasileiros, como entre brasileiros e italianos. De tudo, ainda sobrou um respiro de orçamento para viabilizarmos a vinda para o Brasil dos nossos produtores italianos para o lançamento da série em Bento Gonçalves. Além dessas questões mais da ordem da logística, outro aspecto positivo foi a aproximação que conseguirmos criar entre Bento Gonçalves e a região de imigrantes italianos aqui no Estado, com a região do Veneto, de onde vieram esses imigrantes. E fizemos isso não através de elementos de nostalgia como fazem a maioria dos produtos culturais que envolvem ambas as regiões. Pelo contrário, é uma história contemporânea, atual, que aproxima uma Bento Gonçalves de hoje com um Vêneto também de hoje, assim é mais fácil perceber o que de fato é a raiz dessa cultura que se separou há mais de 100 anos e permanece viva, ou se alterou através do tempo.
Por exemplo?
Os pratos da cultura italiana aqui no Brasil diferem dos de lá, pois os de lá se modernizaram, enquanto aqui se manteve a tradição no preparo desses pratos. Já para o preparo da polenta, manteve-se a tradição em Vicenza, local onde ela é mais forte culturalmente e onde é saboreada com bacalhau. Aqui no Brasil, na falta do bacalhau, se passou a comer a polenta com galinha ou aves silvestres. Quer dizer, através dessas aproximações, entre o que mudou e aquilo que não se alterou, é possível descobrir mais sobre essa fabulosa história da epopéia italiana. E tais percepções se mostravam em vários aspectos, não só através da gastronomia.
Como a experiência da sua pesquisa de mestrado e a da docência em comunicação contribui na realização audiovisual?
O mestrado e a prática da pesquisa me ajudaram a aprofundar a reflexão sobre o meu trabalho de realizador. Pesquisa sempre foi e é algo que faz parte do trabalho do diretor, roteirista, enfim, do realizador, tanto em documentários como em obras ficcionais. No entanto, após mergulhar no universo acadêmico, e mais ainda, realizar esse mergulho na área do audiovisual, a pesquisa passou a ser levada ainda mais a sério tanto quanto ao conceito “audiovisual” como a pesquisa de projetos específicos. As vezes até atrapalha, pois se não me policio quanto a isso, corro o risco de realizar um aprofundamento exagerado que não cabe a determinado produto audiovisual, muitas vezes recebido por um público homogêneo por um meio um tanto evasivo que é a televisão. Mas é fato que a prática da pesquisa, do estudo, da reflexão, quando bem relacionados com as ferramentas da produção audiovisual, influenciam na construção da linguagem e na concepção final da obra, seja essa obra um filme de autor ou uma comédia para a televisão.