Esbarramos constantemente em novas propostas e experimentos audiovisuais, sendo quando? falo de experimentos, não me refiro aos famosos e malfadados filmes? experimentais. Temos sim uma vasta produção de filmes experimentais, mas que de? tão experimentais acabam na margem do conhecimento público, sem se aproximar? sequer da proposta de “leitura” que o cineasta (ou videomaker) se esmerou em colocar no filme. Talvez a questão não? seja parar de experimentar, mas sim tornar acessível a quem possa interessar e nesse? sentido fazer mais do que simplesmente colocar vídeos na internet disponibilizando? a quem quiser realizar uma busca no YouTube, por exemplo. Falo aqui de dissecar o vídeo e tornar o fazer fílmico público, uma espécie de tratado revelando as? tentativas, sejam bem sucedidas ou não, de burlar e/ou tensionar padrões.? Devemos isso, enquanto produtores de audiovisual, ao novo espectador que se forma entre novas tecnologias.
Enquanto pesquisadores, precisamos apoiar as iniciativas, ainda que seja absolutamente necessária uma análise critica sobre as propostas. Se arriscar e colocar a cara? a tapa não é fácil, não importando o lado em que você está. Inclusive “lado”? não deveria existir no sentido que costumamos lhe atribuir, assumir uma postura? que geralmente pressupõe oposição ou dicotomia entre o fazer e o estudar. A? Cumbuca Filmes protagoniza a reunião de um grupo que, entre um trabalho e outro,? busca o tom de questionamentos dessa relação. Essa “panelinha” da qual faço? parte, procura se aproximar dos estudos que tenho realizado em função da? pesquisa proposta no PPG, de um filme além da retina até mesmo antes dos? questionamentos se configurarem numa pesquisa acadêmica.
O Filme Além da Retina, que me proponho pesquisar revisitando estudos em torno de um comunicar audiovisual através da criação de atmosferas narrativas que poderiam até mesmo se sobressair aos aspectos textuais e visuais, é onde adquire maior importância o como transmitir a história, principalmente através de técnicas audiovisuais não convencionais. É o cinema além do olhar doutrinado, onde salientamos uma linguagem narrativa diferenciada da clássica hollywoodiana, adquirindo maior relevância o que acontece fora de quadro, em enquadramentos diferenciados, pelos sons ambientes e trilha (não focando nos diálogos) e pela manipulação do espaço-tempo. É nas variações e articulações desses elementos, das bandas de som e imagem de um filme, que queremos apontar a possível criação de uma atmosfera para a produção de sentidos e sensações.
Essa linguagem diferente da convencionada tradicionalmente no cinema está longe de ser uma novidade, pode ser identificada em filmes muito anteriores a pesquisa que proponho, ainda que adquiram uma roupagem contemporânea. Diretores como Gus Van Sant (Paranoid Park, 2007), Wong Kar Wai (Amor a Flor da Pele, 2000) Lucrécia Martel (O Pântano, 2001) e Lars von Trier (Dogville, 2003), entre outros, fizeram de suas apropriações (intencionais ou não) desses elementos suas marcas narrativas, mais visíveis em umas tentativas que em outras, como apontarei na pesquisa.
Compondo e reafirmando a idéia de que não se trata de uma descoberta essa construção de um cinema além do olhar, mas sim de um deslocamento, uma apropriação e atualização de diferentes referenciais. Durante a Nouvelle Vague vários desses recursos foram frequentes na obra de diretores como Godard, que usou e abusou de enquadramentos diferentes (talvez até então estranhos) e inserção de imagens não diretamente ligadas ao enredo, mas que produziam uma metalinguagem cinematográfica. Antonioni teve a atmosfera como aliada em suas obras, de maneira diversa, utilizou elipses, planos longos e imagens que poderiam despertar prazer estético ou até mesmo tédio, dependendo do olhar do espectador. De outra maneira, mas igualmente relevante, o uso do som foi fundamental na obra de Jacques Tati, em Le Vacances de Mr. Hulot (1953), além da ambiência necessária para o humor, destacava o prelúdio de um porvir em situações constrangedoramente cômicas. Francis Ford Coppola, em seu filme A Conversação (1974) proporciona em sua cena inicial uma das maisinteressantes experiências sonoras em um filme para grandes públicos.
Adquire o status de protagonista, ao menos de boa parte da pesquisa, o som. Possível, através dele e dos outros elementos, visualizar espacialmente e principalmente sentir o filme. “Nadamos no oceano de sons, e ele nos penetra enquanto confrontamos com o mundo das imagens, esse mundo que nos circunda.” (FLUSSER, 2007). É essa dimensão, que muda completamente o modo de pensar e ler a superfície dos filmes.