Guimarães e os diários de David Perlov: um convite para pensar a memória no documentário do cotidiano

Na próxima segunda-feira, 15 de agosto, às 20 horas, no Auditório Pe. Bruno Hammes, da Unisinos, campus São Leopoldo, começa a Semana da Imagem na Comunicação Unisinos. A palestra de abertura será com o professor e pesquisador César Guimarães, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (FAFICH – UFMG). Com o título A dupla face da memória: experiência subjetiva e rememoração histórica, a apresentação desse convidado provocará a reflexão e discussão das imagens da memória a partir do documentário Diários 1973-1983, de David Perlov, cineasta brasileiro naturalizado israelense, uma grande referência para o cinema de Israel, porém, ainda pouco conhecido no Brasil.

David Perlov registrou o cotidiano ao longo de dez anos

Os diários cinematográficos de Perlov foram gravados ao longo de dez anos e divididos em seis capítulos – cada um com cerca de uma hora de duração. Neles, são compartilhadas as experiências do documentarista com o cotidiano – junto à família e aos amigos, em Israel e nas ruas de diferentes cidades de países que visitou, como o Brasil, por exemplo. O projeto teve início com uma frustração: Perlov até então era desprezado por autoridades israelenses por produzir documentários que exploravam as relações humanas – valorizava-se muito produções audiovisuais de propaganda. Por isso, em Diários 1973-1983, Perlov diz que quer começar a filmar por e para ele mesmo – já que o cinema profissional não o atraía mais. Em um primeiro momento, ao que parece, ele não sabia bem o que de fato iria fazer com essas imagens. Com o convite de um canal de TV para exibir o trabalho anos mais tarde, acrescentou uma narração a elas, comentando, assim, as suas experiências – aquilo que nos registros viveu, as emoções que sentiu, as coisas que lembrou.

O palestrante César Guimarães, em entrevista por telefone ao site do TCAv, aponta duas características provocadoras dessa produção audiovisual para pensar o conceito de memória – que pauta a temática da edição da Semana da Imagem desse ano – Memória das Imagens, Imagens da Memória. “Primeiro, a maneira como ele fez esses diários cinematográficos – como nos diários da literatura: como alguém se dedica por tantos anos, de forma persistente e lenta, nesse registro; como organiza, monta, conta e estabelece associações. Segundo, como, a partir dos diários, vê-se como estranho e não familiar, em um distanciamento de si.” O pesquisador explica que, na tentativa de reencontrar-se, o sujeito surpreende-se consigo mesmo, pois, em um mergulho no passado, percebe-se diferente. “Quanto mais ele mergulha no passado, mais caminha para o futuro”, assinala Guimarães.

Adiantando, de certa forma, a reflexão de sua palestra, especificamente sobre o relacionamento do sujeito com imagens da memória, o professor César Guimarães diz que, nos diários, percebem-se experiência subjetiva e rememoração histórica. São dois pontos específicos que ele irá explorar na apresentação. Como Guimarães sinaliza, Perlov fala mais dos outros do que dele mesmo e mostra mais o contexto do que o seu cotidiano. Sendo assim, o palestrante recorre à metáfora da Banda de Moebius. “Quando se pensa que está no interior, está no exterior. É ao contrário do que se pensa: de relação subjetiva é relação com o mundo do outro.” O pesquisador prefere, por isso, usar a expressão “escrita cinematográfica do fora”. Aí, ver-se-ia, então, o olhar desse documentarista frustrado que não tinha muito espaço em Israel para mostrar a realidade como pretendia. Guimarães diz que dará ênfase ao capítulo em que Perlov apresenta o Brasil, as cidades que nesse país viveu quando criança e adolescente. “O eu e o outro, o dentro e o fora… apanham a estrutura da sociedade brasileira, a desigualdade e as marcas sociais”, compartilha.

A memória na pesquisa, o tema na palestra

Em sua tese de doutorado, César Guimarães trabalhou com o tema imagens da memória. O trabalho – defendido em 1995 – rendeu um livro, publicado dois anos depois. Em Imagens da memória: entre o legível e o visível, apresenta ao leitor a pesquisa teórica e especulativa sobre memória em textos literários adaptados para o cinema e em textos literários que, embora não tenham originado filmes, apresentam potencial imagético. O autor, assim, transita entre as áreas do cinema e da literatura. A abordagem de sua palestra, de certa forma, retoma esse trabalho. Os atuais interesses de pesquisa de Guimarães se voltam para o filme documentário e de ficção e a experiência estética.

O palestrante que abre a Semana da Imagem 2016 conta ao site do TCAv que tem ótimas expectativas do evento. Além de reencontrar algumas pessoas que aqui conheceu por ocasião da Compós, ele espera sentir o interesse de alunos e colegas pela imagem, pela memória, pelo audiovisual. “E escutar as questões em torno de cinema e escritura fílmica, com que trabalho há bastante tempo”, finaliza.


A formação inicial de César Guimarães é em Língua Portuguesa pela UFMG. É doutor em Estudos Literários (Literatura Comparada) pela UFMG. Realizou o pós-doutorado na Universidade Paris 8 entre os anos de 2001 e 2002. É organizador de Entre o sensível e o comunicacional (2010) e Comunicação e Estética (2006).