Quatro dias de auditório lotado. Quatro palestrantes. Quatro diferentes visões sobre memória e imagens. Assim encerrou a 14ª Semana da Imagem na Comunicação Unisinos, realizada de 15 a 19 de agosto, pelo Grupo de Pesquisa Audiovisualidades e Tecnocultura: Comunicação, Memória e Design (TCAv). De perspectivas históricas a olhares sobre a produção imagética contemporânea, o evento trouxe para o debate a Memória das Imagens e as Imagens da Memória. Os estudantes dos cursos de graduação e pós-graduação em Comunicação da Unisinos tiveram a oportunidade de participar das discussões e compartilhar conhecimento com pesquisadores da área.
Foi através dos diários do cineasta brasileiro e naturalizado israelense, David Perlov, que o pesquisador César Guimarães, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (FAFICH-UFMG), trouxe para o debate a experiência estética da memória. A partir de fragmentos do Diário 1973-1983 e Diário Revisitado 1990-1999, Guimarães apresentou suas reflexões acerca das imagens documentadas e comentadas, que, para ele, exprimem uma relação de estranhamento de Perlov consigo mesmo e com a sua história, além de questões sociais brasileiras. O cineasta volta a sua câmera para o passado, para os lugares e as pessoas que marcaram a sua infância, mas é, no presente, que os velhos amigos e a casa onde morou quando criança, são captados por suas lentes. É um passado que retorna no presente e se desdobra, é reconstruído. A memória, neste contexto, é reescrita em cada processo, na filmagem, na montagem e na adição dos comentários anos depois. Os documentários de Perlov inscrevem-se no gênero autobiográfico, mas contém para Guimarães uma escrita cinematográfica do fora. O cineasta fala de si mesmo através do outro e evidencia a realidade social brasileira por meio de registros cotidianos dos lugares onde viveu. A memória, para Guimarães, a partir de Perlov, possui dupla face e se configura como experiência subjetiva e rememoração histórica.
Na segunda noite, a pesquisadora e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Giselle Beiguelman apresentou, a partir de suas experiências artísticas, a concepção da estética do ruído, mais especificamente do glitch, como uma alternativa crítica às memórias urbanas que se tornam obsoletas e são abandonadas para o esquecimento. Ela traçou uma perspectiva histórica que aponta aspectos de uma estética da memória, ainda na arte moderna com a monumentalização de personalidades, fixando no imaginário popular os “heróis nacionais” da história oficial. É na arte contemporânea, conforme Giselle, que surge “um fôlego crítico” em intervenções que vão ressignificar os espaços urbanos, como o grafite, por exemplo. É neste contexto que se insere o seu trabalho, um conflito entre as paisagens urbanas e a estética do glitch. O glitch nasce da noção de erro, do defeito técnico de máquinas que já não servem e é transformado numa arte que critica a ideologia do novo e a padrões de beleza pautados numa eterna juventude. A memória, para Giselle, gera incomunicabilidade, num momento onde o novo assume o lugar do velho tão rapidamente, em se tratando de tecnologia, que é impossível distinguir passado, presente e futuro. As Imagens Ruidosas, que deram nome a sua palestra, representam esse lugar, onde nenhuma memória se mantém plena, são recriadas pelo tempo e pelas intervenções humanas.
Já o pesquisador italiano Massimo Canevacci, que integra o Grupo de Pesquisa TCAv, trouxe no terceiro encontro a concepção de Memória Ubíqua para pensar, principalmente, a comunicação digital, a qual tem se dedicado em suas pesquisas recentes. A ubiquidade, de acordo com Canevacci, é uma experiência onde espaço e tempo entram em conflito, que possibilita estar em múltiplos espaços, criando e recriando novas versões de si mesmo. As experiências com as redes sociais na internet e os dispositivos móveis exemplificam essa ideia, já que, por meio delas, os sujeitos, ou Multivíduos, conforme designa o autor, podem estar em um lugar físico e em dezenas de outros virtuais ao mesmo tempo, comunicando-se simultaneamente com alguém que está ao seu lado e alguém do outro lado do mundo. Neste movimento, criam-se rastros de memória onde passado, presente e futuro se confundem. A memória, para Canevacci, portanto, é particular e multifacetada e pode ser experimentada no nosso corpo e fora dele. De acordo com ele, a memória existe para além do indivíduo, como, por exemplo, nos perfis de redes sociais. Quando o usuário morre, os perfis mantêm uma forma de vida ali, uma memória sem corpo.
Numa perspectiva histórica, o professor Roberto Tietzmann, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), encerrou a Semana da Imagem falando sobre a memória da televisão brasileira antes de sua chegada oficial no país. Em sua pesquisa documental no acervo do Grupo Folha, Tietzmann explorou o imaginário construído sobre a TV no Brasil na imprensa impressa. Ele rastreou menções à televisão 25 anos antes da inauguração da precursora TV Tupi, por Assis Chateaubriand, em 1950. O pesquisador constatou que havia no imaginário popular da época a ideia da TV como um objeto mágico, que possibilitaria o contato imediato à longas distâncias. Não era exatamente a TV que acabou se materializando anos depois, mas um ideal dela. Para finalizar suas colocações, Tietzmann trouxe algumas experiências digitais, canais do Youtube ou vlogs, nos quais percebe que se mantém uma lógica televisiva. A conclusão do professor é que existe uma televisão antes e depois da TV, o móvel doméstico como conhecemos hoje. Uma memória que é potencialidade e permanece existindo dentro e fora da TV analógica com vistas a se atualizar em outras experiências.
O evento lançou olhar para as diferentes formas de pensar as memórias que estão presentes no nosso cotidiano mediado por imagens, também muito diversas. A cobertura jornalística completa da 14ª Semana da Imagem na Comunicação Unisinos pode ser acessada no site do TCAv, e os vídeos das palestras se encontram no canal do evento no Youtube.
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