Olá, tripulantes! Estamos chegando na quarta edição da série “Minha pesquisa no TCAv” – onde serão apresentadas diversas diversas perspectivas sobre as pesquisas dos estudantes da linha de pesquisa Mídias e Processos Audiovisuais e uma reflexão acerca da pesquisa empírica (e laboratorial) para compreender as audiovisualidades e a tecnocultura a partir dos objetos empíricos.
Primeiramente, deixem-me apresentar: sou a Camila, doutoranda do segundo ano na linha de pesquisa Mídias e Processos Audiovisuais, no PPG em Ciências da Comunicação da Unisinos, bolsista CNPq, integrante dos grupos de pesquisa TCAv e também do ARISE (MAE-USP). Também sou mestre pela mesma linha de pesquisa e PPG, publicitária e especialista em Cultura Digital e Redes Sociais. Na pesquisa, tenho interesse nos temas archaeogaming, arqueologia das mídias, jogos digitais, embodiment, imagem, tecnocultura e memória.
Por conta dos diferentes elementos presentes dentro dos games e a experiência através dos dispositivos de realidade virtual, é possível explorar de que maneira se atualizam as qualidades audiovisuais e tecnoculturais nesses espaços. Em minha pesquisa no doutorado, provisoriamente intitulada “Memória do Embodiment nas Imagens da Tecnocultura do Jogar“, estou me propondo observar os diferentes modos de embodiment nas imagens da tecnocultura do jogar e nas experiências imersivas distintas em meio aos jogos, encarando o embodiment como uma memória, um devir do jogo.
[…] o objeto de conhecimento é um ambiente tecnológico (o meio de McLuhan, 1999) de convergências e atravessamento de formatos e suportes, de hardwares e softwares etc., que participa fortemente da audiovisualização da cultura que está em curso. Neste ambiente ressonante, cria-se, faz-se circular, usa-se e apropria-se de construtos audiovisuais como modos singulares de expressão e significação da experiência do mundo. (MONTAÑO, KILPP, 2015, p. 13-14)
Com uma reflexão inserida no âmbito tecnocultural, em um estágio onde toda técnica reinventa uma cultura, é preciso levar em consideração que o corpo é atravessado por formas de agir e de perceber. Podemos ainda dizer que a “visada tecnocultural” é um modo de pensar culturalmente as tecnologias e compreender de que modo as práticas tanto culturais quanto sociais se desenvolvem ao arredores dos avanços tecnológicos, percebendo de que modo a técnica contagia o tecido social e vice-versa.
No entanto, se quisermos refletir acerca de uma “tecnocultura humana”, é preciso entender que a tecnologia não é neutra, assim como, conforme Donna Haraway (2009), a nossa realidade implica uma relação íntima entre as pessoas e a tecnologia onde não é possível dizer onde nós terminamos e onde as máquinas começam. O corpo como constructo pode ser apreendido enquanto resultado da construção de um processo. Há um modo das qualidades audiovisuais das imagens da tecnocultura do jogar e dessa imagem-corpo que se atualizam nessa experiência corporificada: a experiência midiática ultrapassa a tela, onde o corpo opera, também, como agenciador dos processos formativos da imagem. Isso nos possibilita repensar a cultura por meio do embodiment, onde a nossa cultura constrói a sua própria imagem corporal (Milon, 2015).
Um movimento importante para eu conseguir compreender que corpo me interessa, foi o desenvolvimento de mapas conceituais com o intuito de melhor visualizar o que me afetava, colocando em ação um agir arqueológico: passando pelo corpo, corporalidade e chegando na ideia de embodiment. Afinal, fazer pesquisa é um processo de (des)construção: do objeto, do método, do pesquisador. É preciso nos colocarmos como estrangeiros, nos colocar no movimento e experimentar. Ou, à luz bergsoniana: o afeto é nosso, o percepto é do objeto.
O pensamento por meio do corpo, da corporificação e das sensações que são geradas por conta de uma relação inerente (não apenas acidental), a partir da técnica, se mostra potente para refletirmos acerca do processo de realização da experiência em realidade virtual. Para McLuhan, conforme Kittler vai pontuar, as mídias são as interfaces entre tecnologias e corpos (KITTLER, 2016). Na impossibilidade de identificar as singularidades técnicas e processuais de cada mídia, o corpo acaba sendo chamado a desempenhar funções de diferenciação que anteriormente eram delegadas aos sistemas de mídia.
Desse modo, pensando na proposta da tese, o processo do embodiment parece ser convidativo nesse sentido, onde não se restringiria a aparência de superfície, mas contemplaria o processo por inteiro, onde a informação se torna perceptível através da experiência “corporificada”. Esse conceito de embodiment encontro em Mark Hansen (2004), a qual compreende o corpo como uma “interface” entre o sujeito, a cultura e a natureza (MACHADO, 2007). Esse pensamento reforça a relevância da importância do corpo no processo de “in-formar” (HANSEN, 2004) a imagem, o qual extrapola o aparato técnico.
Na imagem acima, ilustro algumas das primeiras impressões acerca do corpo no ambiente de realidade virtual, e o modo como ele é representado (imagens produzidas por mim): uma espécie de holograma, algo mais ilustrado e fragmentado, ou reproduzindo a silhueta das minhas mãos e também projetando o controle. Ao observarmos os jogos digitais, Grodal (2003) irá pontuar que o computador fornece uma dimensão motora “interativa” à experiência, nos permitindo, portanto, simular experiências em primeira pessoa. Portanto, o corpo do jogador possui significativa importância nos jogos, seja para a teoria ou enquanto elemento fundamental para o modo como os jogos são entendidos.
A experiência corporificada sempre esteve “imbricada” na cultura, nos aproximando da noção de uma cultura corporificada. Mais ainda estamos lidando com fenômenos que se complexificam conforme se envolvem no tecido social, à medida que se desenvolvem acerca da técnica. Somos cada vez mais mediados por tecnologia e processos midiáticos – nossos corpos comunicam e, também, são imagens.
Ao longo das décadas de 1980 e 1990, em meio a efervescência dos arcades e consoles domésticos, tivemos o surgimento das primeiras tecnologias de VR, com um grande holofote na cultura pop (EVANS, 2018). Enquanto um desejo dos dispositivos que buscam a nossa “imediação” com o real, o embodiment nos games é uma das formas mais insistentes de inventividade humana para tentar responder “como podemos nos colocar “lá”?“. Claro que esse “embodiment” vai se disseminando em outras práticas que não a dos jogos, especialmente na nossa relação de ser um “Player” nas redes e telas em geral.
O Atari MindLink nos mostra que a experiência corporificada não é exclusiva dos dispositivos de VR – ela literalmente extrapola o aparato. Esse resgate de uma mídia que não chegou a ser lançada, já trazia esses indícios do corpo no processo formativo da imagem (ou no movimento da imagem) que hoje temos na experiência de realidade virtual. Ainda que um protótipo “fracassado”, ele nos permite identificar pistas do corpo enquanto um “processador” de informações: o corpo enquanto uma máquina a qual “in-forma” não só a imagem, mas, a partir da atividade muscular da testa medido eletricamente, como o movimento na tela.
Pensando nos games, o corpo do jogador e o dispositivo (independente do formato) são compreendidos como inseparáveis e irredutíveis – um não pode vir sem o outro. É neste ponto que a experiência corporificada promove uma sensação de co-presença por meio dos “mundos” e corpos. Por isso a importância de compreender que o videogame não é um audiovisual separado das ações (visão, som, tato): é preciso levar em consideração a percepção sensorial e corporificada (KEOGH, 2018). Isso vai nos indicar que a subjetividade humana é corporificada, e é na experimentação que há mudanças: uma existência só pode ser dada em uma experiência. É importante compreender a relação dessa experiência corporificada – a relação do corpo com esses aparatos técnicos -, bem como também perceber a importância do corpo no processo formativo da imagem.
Orientada pelo Prof. Dr. Gustavo D. Fischer, eu me encontro na etapa de desenvolvimento do texto para o seminário de tese, e esta reflexão mostra pistas interessantes para pensar nessa “experiência corporificada”, na relação do corpo com dispositivos de RV, nessa ideia de embodiment – olhando para jogos. Um exercício que também me auxilia a visualizar e compreender o meu processo de pesquisa, situando ele dentro das perspectivas teóricas do TCAv.
Texto: Camila de Ávila
Revisão: Flóra Simon da Silva
Referências:
EVANS, Leighton. The re-emergence of virtual reality. Abingdon: Routledge, 2018.
GRODAL, Torben. Stories for eye, ear, and muscles: video games, media and embodied experiences. In WOLF, Mark J. P.; PERRON, Bernard (Orgs). The video game theory reader. New York: Routledge, 2003.
HANSEN, Mark. New philosophy for new media. London: MIT Press, 2004.
HARAWAY, Donna; KUNZRU, Hari; TADEU, Tomaz. Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.
KEOGH, Brendan. A play of bodies: how we perceive videogames. Cambridge, MA: MIT Press, 2018.
KITTLER, Friedrich. Mídias ópticas. Rio de Janeiro: Contraponto, 2016.
MACHADO, Arlindo. O sujeito na tela: modos de enunciação no cinema e no ciberespaço. São Paulo: Paulus, 2007.
MILON, Alain. La realité virtualle: avec ou sans le corps? Paris: Éditions Autrement, 2005.
MONTAÑO, Sonia; KILPP, Suzana. Audiovisualidades, tecnocultura e pesquisa em comunicação. In KILPP, Suzana [et al.]. Tecnocultura audiovisual: temas, metodologias e questões de pesquisa. Porto Alegre: Sulina, 2017.
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