Minha Pesquisa no TCAv — Clara Moraes

Em mais uma edição do “Minha Pesquisa no TCAv”, série que apresenta as pesquisas em andamento dos mestrandos e doutorandos da linha de pesquisa Mídias e Processos Audiovisuais e também expõe reflexões relativas a presença das audiovisualidades e da tecnocultura nos objetos empíricos da pesquisa. Hoje o trabalho a ser discutido será o, até então, intitulado de: Construtos de (des)empoderamento feminino no audiovisual: uma análise a partir de Daenerys Targaryen, da série Game of Thrones (2011–2019).

Antes de tudo, uma pequena apresentação: sou a Clara, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação na Unisinos, na linha de pesquisa Mídias e Processos Audiovisuais, integrante do grupo de pesquisa TCAv e bolsista CAPES. Sou formada em Realização Audiovisual pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), com especialidade em Montagem e em Produção audiovisual.

Desde o início, a pesquisa teve o intuito de focar no estudo da mulher no audiovisual, na forma com que é representada e como a personagem se constrói. O projeto que foi submetido tinha o enfoque na construção da personagem Daenerys (Game of Thrones) e a sua utilização como chamariz de audiência. Após entrar no mestrado e compreender melhor os conceitos da linha de pesquisa, através das disciplinas e discussões no grupo, pode-se direcionar o trabalho em um rumo que vai de encontro com a linha. As trocas com o orientador Tiago Lopes também auxiliaram no eixo da pesquisa.

Escolhi manter Daenerys Targaryen como o objeto empírico principal, e trouxe outras 6 personagens como parte de um corpus expandido, que são: Cassie, de A Bela Vingança (2020); Poussey Washington, de Orange is the New Black (2013–2019); Olivia Pope, de Scandal (2012–2018); Sang-mi, de Save Me (2017); Jean Grey, de X-Men: The Last Stand (2006) e Serena Waterford, de The Handmaid’s Tale (2017 — presente). Decidiu-se que se desejava investigar — a partir da análise dos procedimentos técnicos, estéticos e narrativos empregados na elaboração dessas obras audiovisuais, — como o poder (ou, no caso, a perda dele) é produzido, enquanto construto tecnocultural, nas histórias das personagens.

Figura 1: Daenerys Targaryen. Fonte: retirado do Google Images e editado no Photoshop CC.

Já no meu trabalho de conclusão de curso no Bacharelado em Realização Audiovisual, desenvolvi uma pesquisa sobre como personagens femininas são representadas em seus universos narrativos. O tema do presente trabalho, portanto, deriva de uma vontade pessoal de dar seguimento a esse estudo pregresso. Penso que muito de como nós, mulheres, enxergamos a nós mesmas e internalizamos como nosso eu é proveniente do que consumimos no audiovisual e na TV. Como mulher, me sinto pessoalmente impactada por muitas formas de representação de personagens femininas que acompanho e assisto. Portanto, vejo como necessários trabalhos que forneçam uma leitura crítica do que assistimos e, também, para que sejam gerados apontamentos em direção a quem é responsável por criar essas personagens e representações.

O arranjo metodológico do trabalho adota uma abordagem que busca reconhecer as imagens através de sua dimensão memorial, tentando enxergar quais significados que estariam inscritos nas imagens, considerando todo o aspecto tecnocultural que as envolvem. Bergson explica o conceito de duração, que é imprescindível para compreendermos como a memória está imbricada e implicada na imagem. Segundo ele, “a duração é o progresso contínuo do passado que rói o porvir e incha à medida que avança. Uma vez que o passado cresce incessantemente, também se conserva indefinidamente.” (BERGSON, 2006, p. 47) Nas minhas palavras, as inscrições culturais e sociais do passado perduram e contaminam o tempo, se atualizando sem parar no presente e no futuro.

Outros movimentos metodológicos estão incorporados na pesquisa, um primeiro procedimento cartográfico, a flânerie, foi utilizado para transitar por entre os produtos audiovisuais. Deste movimento, surgiram alguns agrupamentos temáticos, que nesta pesquisa chamamos de coleções, as quais se baseiam nas qualidades tecnoculturais e plásticas das imagens escolhidas. Após, de forma preliminar, essas imagens foram dissecadas e cartografadas e, finalmente, separadas em três constelações chamadas, respectivamente: Ascensão, Ameaça ao poder, e Queda.

Na pesquisa, a flânerie teve o papel de catalogar e procurar incessantemente por entre os produtos audiovisuais, de forma a encontrar pontos semelhantes ou até mesmo buscar por relações não diretas, pois é preciso tornar o desconhecido familiar, e simultaneamente, desconstruir o que é familiar. (CANEVACCI, 1997) Esse movimento permitiu que fossem criadas as coleções, que foram organizadas por elementos imagéticos, em que se deu prioridade às recorrências das situações e as similaridades da composição dos planos ao representar essas mulheres.

Figura 2: algumas das coleções da pesquisa. Fonte: PPT da banca de Qualificação da autora.

Após a formação das coleções, se deu início a um processo preliminar de dissecação, que é o movimento pertencente à metodologia das molduras, de Suzana Kilpp (2003, 2010). Esse movimento realiza a retirada da imagem em movimento do fluxo, permitindo melhor observação de enquadramentos, recursos de montagem, efeitos gráficos, e outros elementos que podem nos escapar enquanto encontra-se em curso.

Foi realizada uma compilação de um vídeo com as personagens escolhidas como objeto de pesquisa. Esse processo se deu através da utilização dos métodos de flânerie, cartografia e dissecação, já que todos esses movimentos puderam ser encontrados durante a feitura do vídeo. Foi necessário flanar por todos esses espaços diversas vezes, cartografar quais planos utilizar em meio a todo o material e retirar esses planos do fluxo, para visualizá-los separadamente e poder relacioná-los. Na figura abaixo, pode-se visualizar parte do processo de manuseio desses diversos arquivos, e também se elucida sua qualidade tecnocultural ao utilizar o dispositivo do Premiere Pro e a técnica para elaborar o vídeo, materializando uma forma de comunicar através dessa ferramenta.

Figura 3: timeline do compilado no Premiere Pro. Fonte: Captura de tela da autora.

A partir da feitura desse vídeo e da dissecação das imagens que fazem parte dele, pode-se criar novos conjuntos temáticos. Segundo Benjamin, evocado por Canevacci (1997, p. 106), é possível selecionar informações que tenham relação com a nossa percepção, montar esses dados a partir de um encadeamento lógico para que assim seja criada uma constelação, atingindo um senso de conhecimento.

As constelações ainda estão em uma etapa de tentativas, mas, por enquanto, temos em vista três agrupamentos. A personagem Daenerys Targaryen encabeça todos esses agrupamentos e as outras personagens estão distribuídas tematicamente dentro destes. A primeira constelação é a: Ascensão, caracterizada por conter as situações em que a mulher se encontra em um processo de empoderamento ou que apenas está conservando seu poder; Ameaça ao poder, que se refere aos impedimentos e obstáculos que são colocados em frente a estas personagens, nas suas diversas situações, sejam eles uma única pessoa ou instituições de poder; e a Queda, este agrupamento diz respeito a essas mulheres terem seu poder amputado por meio de alguém ou algo. Aqui conseguiremos analisar o (des)empoderamento sofrido por essas mulheres das mais variadas formas e verificar quais são as atualizações desses construtos e o que perdura.

No momento, minha pesquisa está se encaminhando para a reta final, levando em consideração todos os apontamentos feitos durante a banca de Qualificação e, também, discussões com o orientador Tiago Lopes e com os colegas. Ademais, percebe-se que os construtos tecnoculturais se apropriam dos construtos audiovisuais, revelando modos únicos de expressão e significação, não apenas da construção social de mundo, mas também estéticos, narrativos e técnicos.


Texto por: Clara Moraes

REFERÊNCIAS

[1] Disponível em: <https://www.aicinema.com.br/mulheres-no-audiovisual-uma-reflexao/> Acesso em 20 jan, 2020.

BERGSON, Henri. Memória e Vida. São Paulo: Martin Fontes, 2006.

CANEVACCI, Massimo. A cidade polifônica. São Paulo: Studio Nobel, 1997.

KILPP, Suzana. Ethicidades televisivas. São Leopoldo: Unisinos, 2003.

KILPP, Suzana. A traição das imagens. Porto Alegre: Entremeios, 2010.

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