O curta-metragem brasileiro “Nunca é noite no mapa” (2016, Ernesto de Carvalho), faz o uso da voz em off do narrador e de imagens do Google Street View para compor sua narrativa. Ernesto empresta seu corpo para o mapa, enquanto vamos visitando a cidade através de seus cliques. A voz chega a dar uma pista do papel do realizador quando afirma que “o mapa não possui pernas, nem asas e não possui opinião”. O tensionamento entre imagens captadas pelo satélite e a experiência do realizador se dá a partir dos choques entre corpo-Ernesto e corpo-mapa.
Diferente – mas não tanto -, da experiência do curta, o site Drive and Listen empresta um corpo-carro para que possamos passear pelas ruas de algumas cidades ao redor do mundo. Em alguns veículos percebemos uma moldura painel que nos indica que estamos dentro, em outros não temos essa informação, mas a forma com que “assistimos” a cidade nos leva a acreditar que estamos inseridos num gesto de dirigir ou de carona.
Para além da imagem, o som cria duas ambiências distintas: na primeira, em um player lateral, é possível ligar a rádio local da cidade que optamos por flanar, enquanto que a segunda é de natureza ruidosa, na opção de por “on” ou “off” nos sons da cidade (buzinas, conversas indistinguíveis e sons da natureza urbana, como construções). Em uma junção entre imagem e som cria-se uma experiência que simula um dirigir dentro de casa.
Pensamos em ambas experiências, tanto a do curta, quanto a do dirigir, como tensionamento dos espaços em paralelo ao nosso corpo enquanto clique. Aqui, retomamos a ideia de corpo como centralidade, presente em Bergson (1999), uma vez que para apreender a cidade a partir dos fragmentos da experiência como as ruas, o player e os ruídos, é o corpo quem desenvolve habilidades de percepção, em uma tentativa de formar sentido a partir das informações fragmentadas cedidas no espaço virtual.
O clique e o corpo montam o espaço. Ora ouvimos música, ora os sons, ora estamos em Amsterdam, ora em São Paulo. Em um mosaico de fragmentos, recortamos com o nosso corpo a experiência que temos a partir da percepção. Em sua tese, o pesquisador Tiago Ricciardi Lopes evoca Manovich (2006) para dar a ver algumas ideias sobre essa questão, uma vez que, para ele, “(…) as imagens, hoje, se mostram muito mais como imagens-interface ou imagens-instrumentos do que propriamente imagens “tradicionais”. Nesse sentido, o processo de digitalização conduz à integração profunda entre o corpo do usuário e as imagens”. (LOPES, 2014, p. 139). Ainda, essa integração seria para além de uma mera “interatividade”, estando num nível de afetividade.
Ambos os produtos evocados no texto, tanto o curta-metragem “Nunca é noite no mapa”, quanto o site Drive and Listen possibilitam uma experiência a partir do corpo e do clique. Enquanto o curta já possui sua “narrativa fechada”, possibilitando o corpo-espectador apenas o contemplar, o site nos fornece a possibilidade de elaborar, através de sua interface, nosso próprio road movie.
Para ler mais sobre narrativas em mapas e softwares, sugerimos o texto sobre narratividade softwarizada no Eu Sou Amazônia do Google Earth, pesquisa realizada por Madylene Barata”: https://tecnoculturaaudiovisual.com.br/narratividade-softwarizada-travessias-no-eu-sou-amazonia-do-google-earth/
Links:
Drive and Listen: https://driveandlisten.herokuapp.com/
Nunca é noite no mapa: https://vimeo.com/175423925
REFERÊNCIAS:
BERGSON, Henri. Matéria e Memória. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
LOPES, Tiago Ricciardi Correa. Aura e vestígio do audiovisual em experiências estéticas com mídias locativas: performances algorítmicas do corpo no espaço urbano. 2014. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação) – Unisinos, Rio Grande do Sul, 2014.
MANOVICH, Lev. El linguaje de los nuevos medios de comunicación: la imagen en la era digital. Buenos Aires: Paidós, 2006.
Texto: Analu Favretto
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