Recentemente diversos portais especializados no mundo da música divulgaram a notícia de que o disco de vinil acabava de ganhar um novo concorrente, o Ionic Originals, e que este seria muito superior em qualidade sonora. Ainda que este tipo de matéria possa ser recebida como tendenciosa e conte com um teor sensacionalista afim de circular nas redes sociais digitais, o fato de um novo tipo de mídia física estar sendo desenvolvido é algo que chama muita atenção no mundo efêmero e digital que vivemos.
Para compreender melhor sobre as particularidades do vinil e do mundo da música, contamos com a participação da doutora e mestre em Ciências da Comunicação, Magda Rosí Ruschel. Atualmente, Magda é professora da Unisinos com experiência na área de Comunicação Sonora. Atua principalmente em produção audiovisual com ênfase no desenho do som, interfaces sonoras, comunicação e psicologia e comportamento do consumidor.
Para começar, vamos entender o que é o Ionic Original? Se trata de um projeto de T-Bone Burnett, renomado músico e produtor musical, ganhador de diversos prêmios Grammys e amigo de Bob Dylan, com quem tocou nos anos 1970 e que firma a parceira no desenvolvimento desta nova mídia. Dylan inclusive, anunciou que relançará todos seus álbuns no formato como forma de endossar a novidade. A ideia proposta por Burnett é utilizar um disco feito em alumínio envernizado com laca, que é um tipo de resina utilizada para dar brilho e resistência às mais diversas superfícies.
Segundo o próprio T-Bone em um press release divulgado para a mídia, em tradução livre: “Um Ionic Original é o auge do som gravado. É qualidade de arquivo. É à prova de futuro. É um de um. Um Ionic Original não é apenas o equivalente a uma pintura, é uma pintura. É laca pintada em um disco de alumínio, com uma espiral gravada por música. Esta pintura, no entanto, tem a qualidade adicional de conter aquela música, que pode ser ouvida colocando uma agulha na espiral e girando-a.”
Ao analisarmos outras iniciativas de formatos musicais trazidas por artistas, como o Pono, lançado por Neil Young em 2014, podemos levantar diversas questões céticas para a empreitada de Burnett e Dylan. No entanto, ao conversar com Magda Ruschel e revisarmos alguns aspectos da arqueologia das mídias de Parikka e Huhtamo, podemos perceber que a questão não está tão relacionada ao “novo” versus “velho” quanto parece em primeira análise.
Para Magda, sua primeira lembrança ao ser indagada sobre o assunto é de lembrar que as primeiras gravações mecânicas de áudio começaram com fios de cobre, em 1898. Apenas com a popularização do uso do petróleo e seus derivados que polímeros sintéticos de plástico como o vinil (policloreto de vinila) surgiram.
Ainda que as notícias sobre o Ionic Original não tragam informações técnicas, Magda infere sobre o processo de produção e reprodução do disco, que seria muito semelhante ao do vinil baseado em sulcos tocados em espiral, levando a conclusão de que essa mídia poderia, inclusive, ser compatível com toca-discos já existentes, ganhando então um apelo colecionável. Ruschel levanta a questão da durabilidade das mídias, que estão se tornando especialmente perenes, mesmo com o vinil que pode ser arranhado e quebrado com certa facilidade e que sofre muito com variações de temperatura. Para ela, o principal apelo do formato estaria na qualidade do material, permitindo que essas gravações superassem o vinil, no sentido de eternizar as canções.
Para Magda, o novo formato estaria em uma tentativa de rebater a efemeridade dos tempos atuais, e que isso estaria relacionado também com a proposta musical de Bob Dylan, marcada pelos instrumentos de corda marcados e gravação analógica. Quanto à escolha do material, Ruschel questiona: “Quantos instrumentos são feitos de metal? O sino, os instrumentos de sopro, as cordas de violão, etc. Todas essas coisas que ressoam. Deve ter uma lógica para fazer um disco em alumínio”. Para ela, não se trata tanto de uma jogada de marketing, mas um objeto de coleção com grande qualidade agregada.
Voltando para a questão do “novo” versus “velho”, reforçamos que o formato musical analógico não foi abandonado, como podemos pensar em um primeiro momento. Magda nos lembra que, em muitos dos melhores estúdios de gravação do mundo, os equipamentos analógicos é que são responsáveis pela mixagem das faixas. Por essa razão, o formato de Burnett teria espaço entre os audiófilos por conta da profundidade sonora, que ainda não foi alcançada com os meios digitais.
Ainda sobre os discos de metal, podemos lembrar que estes também não são novidade, uma vez que em 1977 as sondas espaciais Voyager foram equipadas com discos de cobre banhados à ouro. O conteúdo dos discos foi selecionado por um comitê da NASA chefiado pelo físico Carl Sagan, e reúne diversos sons naturais, como o registro sonoro de trovões, vento, ondas do mar, e cantos de pássaros e baleias. Também foi incluída uma coletânea musical com obras de diferentes épocas e culturas. A finalidade destas gravações é que sejam descobertas por outras formas de vida extraterrestres no futuro.
Resta saber se de fato o formato será compatível com os toca-discos atuais, como será a adesão deste formato por outros músicos e quais serão os custos envolvidos tanto na produção quanto distribuição da mídia, uma vez que o alumínio não é um material de baixo custo. Ainda que o Ionic tenha diversas vantagens técnicas positivas, dificilmente conseguirá superar o vinil pela sua influência tecnocultural, seu apelo histórico, estético, afetivo, financeiro, e por que não sono.
Texto: Gabriel Palma
Fontes:
Fim do vinil? Bob Dylan ajuda a criar disco ‘superior a tudo’. Será? (uol.com.br)
Bob Dylan regrava músicas clássicas com T Bone … | Antena 1
Bob Dylan regravou hits para novo meio analógico; entenda · Rolling Stone (uol.com.br)
There’s a new music format that aims to deliver “the pinnacle of sound” | What Hi-Fi? (whathifi.com)
Gravação em fio – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)
Policloreto de vinila – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)
Voyager Golden Record – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.