* A doutoranda Aline Corso, orientada pelo Dr. Gustavo Fischer, está em período de coleta de dados na Coreia do Sul, onde desenvolve tese sobre Nam June Paik, com uma visada tecnocultural, imagética e memorial.
A Dra. Hanna B. Hölling é Professora Associada no Departamento de História da Arte da University College London, onde co-organiza o programa de História da Arte, Materiais e Tecnologia. Ela também é professora pesquisadora na Bern University of the Arts. Sua pesquisa, ensino e orientação abordam temas de história e teoria da arte, estudos de mídia e materiais (cultura), museologia, conservação e arte americana e europeia criada desde a década de 1960.
O seu livro “Paik’s Virtual Archive: Time, Change, and Materiality in Media Art” (2017) contempla a identidade das obras de arte multimídia ao reconsiderar o papel da conservação em nossa compreensão do que é a obra de arte e como ela funciona dentro e além de um momento histórico específico. Usando exemplos de obras de Nam June Paik (1932–2006), o artista coreano-americano extremamente influente que é considerado o progenitor da videoarte, Hölling explora a relação entre o conceito e o material das obras de arte, teorias de performance musical e performatividade e o conceito bergsoniano de duração – e os papéis que esses elementos desempenham na conceituação de obras de arte multimídia. Neste livro, Hölling combina sua avaliação astuta das tecnologias artísticas com ideias da teoria da arte, filosofia e estética para investigar questões relacionadas a materiais e materialidade não apenas no trabalho de Paik, mas na arte contemporânea em geral.
Já a sua tese de doutorado “Re: Paik. On time, changeability and identity in the conservation of Nam June Paik’s multimedia installations”, concluída na Universidade de Amsterdã em 2013 traz questões que consideram a constituição de objetos de conservação em relação à nossa compreensão do que é a obra de arte. Ao rastrear a mutabilidade das instalações multimídia de Nam June Paik, problematiza a relação de sua identidade com os processos de transformação por que passam. A autora reconsidera a materialidade de instalações de mídia complexa com referência à sua dimensão conceitual e expande sua ligação com outras formas ontológicas de arte, como a performance musical. Como a mutabilidade só pode ser observada em relação ao tempo, propõe entender a conservação como um processo inerentemente ao tempo e envolvendo formas de compreensão do tempo. Assim, testa a aplicabilidade do conceito bergsoniano de duração para a conceituação de obras de arte multimídia e, posteriormente, argumenta que o tempo rege não apenas os objetos, mas também seu arquivo. É a partir do arquivo – destino final e início destas obras – que se cria a sua identidade e continuidade.
Com uma perspectiva bergsoniana do virtual e do real, Hölling (2013, p. 260) concebe o processo de atualização das obras de arte como emergente pela criação no presente, emancipando a conservação e divorciando-a de seu papel de “salvaguardar o passado” e tão distante das atividades criativas. Os arquivos de conservação tornam-se lugares de retorno e reinterpretação a partir de narrativas e igualmente nas capacidades de julgamento dos envolvidos – é preciso reconhecer a mutabilidade como intrínseca a identidade de obras de arte multimídia. Nas palavras da autora:
Eu propus uma nova maneira de pensar sobre a persistência da mudança, que origina e contribui para o domínio de arquivo. Sugeri que em nossos tempos pós-modernos – ou pós-internet – a conservação tem que levar em consideração outras virtudes dos objetos além do puramente material e mover-se para a afirmação da continuidade através da mudança. Nas palavras de Lowenthal: “A preservação é, portanto, no fundo, uma ilusão.. O que importa na preservação pode ser a continuidade da forma, de substância, de textura, de cor… Com efeito, os objetos, quer recuperados, quer reinstalados ou atualizados nunca são os mesmos, e a busca pela autenticidade (…) tem que ser substituída pela manutenção e definição de limites de identidade. Outra novidade desta tese é que a conservação só pode ser concebida como intervenção temporal, uma intervenção que inevitavelmente acrescenta algo de novo e que recupera seu valor criativo, bem como seus limites, a partir de seu envolvimento com o arquivo. (…) O papel do conservador vai muito além da preocupação com a fisicalidade das obras de arte e atinge o reino de não apenas um poder criador, mas talvez também, em certo sentido, um poder controlador.
(HÖLLING, 2014, p. 260, tradução nossa).
Na minha tese, a ser defendida nos próximos meses, utilizo os pressupostos do re de Hölling (2013), Chun (2011) e Fischer (2016) pensando que a regeneração torna a memória possível, criando um “novo”, que seria a atualização. Esbocei também, em publicações anteriores (CORSO, 2020a; 2020b), a ideia de de/re, ou seja, da degeneração e regeneração, não como opostos, mas sim como geradores de tensões que culminam na ideia (de)regenerabilidade, resultado da seguinte montagem: prefixo “(de)” + radical “regenera”: condição da “imagem”. Uma memória (no sentido da duração) dos objetos empíricos e sufixo “bilidade”: ideia de qualidade e de devir. A proposta é justamente pensar como uma qualidade síncrona, pois as obras regeneradas contém sua degeneração pela condição do digital. O de pode também estar ligado a desgastar, desconstruir, desmontar, destituir, decrescer, desfazer, desapegar, decompor, desviar e defluxo enquanto o re, a revisitar, rememorar, reproduzir, replicar, refazer, reimaginar, remixar, reviver, ressignificar, reabilitar, reconstituir, renegociar, reabilitar e reassociar. Essa ideia de de/re foi proposta na minha qualificação de tese e não pretendo deixá-la de lado, pois exige maior aprofundamento. Na tese, (de)regenerabilidade pode também ser entendida como (de/re)paik.
Fonte:
https://www.hannahoelling.com Acesso em: 8 ago. 2022.
CHUN, Wendy Hui Kyong. The Enduring Ephemeral, or the Future Is a Memory. In: Huhtamo, E. & Parikka, J. (orgs). Media Archeology: Approaches, Applications, and Implications. Berkeley, California: University of California Press. 2011.
CORSO, A. Compreendendo como a regeneração enquanto qualidade tecnocultural se atualiza em ambientes on-line voltados à produção de presença da artemídia. In: Anais – I Jornada de Estéticas e Linguagens Audiovisuais da UFRGS – JELA (2020) – Porto Alegre, UFRGS, 2020a. ISBN: 978-65-5973-064-3.
CORSO, A. Construtos de memória regenerativa da artemídia nascida digital na web. In: Pesquisa para quem? Comunicação, diálogos e transformação social: anais do III Seminário Discente de Pesquisa em Comunicação PPGCC UNISINOS. São Leopoldo: UNISINOS, 2020b. p. 19-22. ISBN 978-65-00-19680-1.
FISCHER, Gustavo. Vida, morte e pós-morte do GeoCities: memória em denegeração/regeneração e nostalgia como crítica no Projeto One Terabyte of Kilobyte Age. In: XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação: São Paulo. 2016.
HÖLLING, Hanna Barbara. On time, changeability and identity in the conservation of Nam June Paik’s multimedia installations. Boxpress, 2013.
HÖLLING, Hanna Barbara. Paik’s Virtual Archive: Time, Change, and Materiality in Media Art. Oakland: University of California Press, 2017.
Autora: Aline Corso
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