Seminário de Tese 2021/2

Com o objetivo de preparar os doutorandos para a banca de qualificação a partir de contribuições teóricas e metodológicas, o Seminário de Tese 2021 aconteceu, em formato virtual, no dia 01 de novembro. Como parte do processo de formação no doutorado, reflexões críticas em relação aos conceitos de memória, tecnocultura e audiovisualidades são estimuladas por meio de considerações dos professores Dr. Gustavo Daudt Fischer, Dra. Sonia Estela Montaño La Cruz, Dr. Tiago Ricciardi Correa Lopes e dos colegas da linha de pesquisa Mídias e Processos Audiovisuais.

Os textos submetidos ao seminário foram desenvolvidos pelos discentes Augusto Ramos Bozzetti, Camila de Ávila, Flora Simon da Silva e Leonardo Andrada de Mello, e tratavam de temas como o movimento nas imagens da tecnocultura, a construção do monstro em narrativas seriadas, a memória do embodiment e a historicidade afetiva lúdico-subversiva nos jogos digitais independentes. Confira a seguir uma síntese das propostas apresentadas pelos doutorandos e dos comentários realizados durante o seminário de tese:


Augusto Ramos Bozzetti — O Movimento nas Imagens da Tecnocultura

O texto entregue por Augusto Bozzetti possui enfoque no movimento das imagens fílmicas a partir do conceito de animação, que o doutorando compreende como “o processo de exibir em sucessão diversas imagens sutilmente diferentes a uma determinada velocidade, dando a ver uma ilusão do movimento”. A partir de autores como Lev Manovich, Bozzetti problematiza a questão da relação hierárquica entre o cinema (amalgamado à fotografia) e a animação, uma vez que esta última permanece sendo definida como uma ramificação do cinema, um gênero cinematográfico.

Ancorado em autores como André Bazin e Paul Wells, o pesquisador propõe a compreensão do termo animação como uma técnica que serve de condição para o movimento e não como uma consequência deste; ele ainda ressalta que “entendida assim, a animação não seria mais apenas um tipo de cinema, mas condição para este”. A partir disso, Augusto aproxima sua pesquisa das audiovisualidades da tecnocultura — princípios essenciais da linha de pesquisa Mídias e Processos Audiovisuais -, ao interpretar o conceito de movimento como uma audiovisualidade em si e buscar reconhecer as inúmeras formas como o movimento vem se atualizando na mídia em diferentes momentos.

Como pergunta central da pesquisa situa-se a questão: “Como o movimento se atualiza nas imagens da tecnocultura em diferentes estágios?”, abrangendo diversos conteúdos para além dos filmes. A metodologia selecionada objetiva encontrar imagens e organizá-las, logo, Bozzetti convoca a arqueologia das mídias e as cartografias, passando por métodos de escavação, dissecação e complementados pelo matching. Ao se aproximar da figura do colecionador de Walter Benjamin, Augusto coletou mais de 40 itens e os organizou em nove coleções denominadas: registro, movimentos de câmera, tempo animado, drone, partículas, plano-sequência, aplicativos, chuva e a coleção viagem no tempo, a qual o autor apresentou uma pré-análise.

Cenas do filme Lucy. Fonte: Elaborado pelo autor.

Durante o seminário, os professores doutores Gustavo Daudt Fischer e Tiago Lopes destacaram a potência do trabalho que está em desenvolvimento pelo doutorando, bem como a diversidade do extenso corpus da pesquisa, que explora lugares não tradicionais. Além disso, houve sugestões como: o enfoque no “usuário animador”, o aprofundamento teórico nas questões referentes à imagem e à interface, e a reflexão acerca das especificidades da ideia de movimento que permitirão avançar nas buscas e na escrita.


Camila de Ávila — Memória Do Embodiment Nas Imagens Da Tecnocultura Do Jogar

O trabalho de Camila visa pesquisar e pensar o embodiment, ou seja, as experiências de imersão do corpo, em jogos de realidade virtual (VR), buscando analisar o seu papel como interface e observar os diferentes modos desse embodiment nas imagens da tecnocultura do jogar e nos diferentes modos de experiência imersiva em meio aos jogos digitais, analisando-o enquanto memória, enquanto um devir do jogo e enquanto uma audiovisualidade. No texto, a discente se baseou na perspectiva bergsoniana para discutir o construto tecnocultural do corpo, empregando também, sobre o tema, autores como Mark Hansen e Maurice Merleau-Ponty. A autora também desenvolve uma reflexão sobre corpo e dispositivo sob uma perspectiva da memória e do imaginário, citando autores como Huhtamo, Chun e Machado.

O corpus da pesquisa consiste em três objetos empíricos que se apropriam do embodiment: o Atari Mindlink, um protótipo desenvolvido pela Atari que “consiste em um conjunto de controladores e software, que, a partir de uma faixa para a cabeça, os movimentos da testa da jogadora são lidos por sensores e transferidos como movimento no jogo”; o Oculus Quest 2, dispositivo de realidade virtual que possibilita explorar “um ambiente virtualmente construído” e “interagir com diversos aplicativos — desde jogos a plataformas de vídeos e de socialização”; e o Beat Saber, um jogo de ritmo para realidade virtual. A pesquisadora se utiliza de arqueologia das mídias — archaeogaming — escavação e dissecação, cartografia e constelações como arranjo metodológico do trabalho.

Nas primeiras inferências da pré-análise, Camila observa que esses três dispositivos, embora lançados em tempos distintos, colocam em evidência o corpo do sujeito jogadora, o qual possui significativa importância e centralidade nos jogos, ultrapassando as barreiras do propriamente audiovisual quando são utilizadas as ações do corpo, como visão, som e tato, simultaneamente. Assim, segundo a autora, “a realidade virtual não é apenas um produto de avanços técnicos em computação gráfica: a fonte do virtual é uma adaptação biologicamente fundamentada às extensões tecnológicas recém-adquiridas fornecidas pelas novas mídias.”

Primeiras interações no ambiente de realidade virtual. Fonte: Elaborado pela autora.

Os apontamentos feitos pelos professores Tiago Lopes e Sonia Montaño destacaram o bom texto e a boa estruturação do trabalho de Camila, bem como o fato da pesquisa já estar em um estágio bastante avançado para a etapa. Entre as sugestões dadas pelos docentes, estão a de definir melhor os territórios de experiência imersiva e a de se aprofundar mais nos conceitos de autores como Marshall McLuhan, Walter Benjamin e, principalmente, Vilém Flusser, este último com relação à ideia de imagem e código.


Flóra Simon da Silva — Audiovisualidades de Monstro da Série Castle Rock

Na pesquisa apresentada para o Seminário de Tese, Flóra propõe refletir sobre “a construção do personagem monstro em narrativas seriadas como um fenômeno da comunicação, a partir de um contexto tecnocultural onde o audiovisual é distribuído e consumido em plataformas de streaming”. Como motivação para o desenvolvimento do trabalho, a doutoranda expõe o afeto que possui pela figura do monstro (já explorada pela pesquisadora em outras pesquisas acadêmicas) e o aumento crescente de conteúdos oferecidos em plataformas de streaming contendo personagens monstruosos.

Valendo-se da cartografia e da flânerie, a pesquisadora explorou cerca de 40 plataformas dos mais diversos segmentos e deparou-se com 52 séries em que o monstro audiovisual era utilizado de diferentes maneiras. A partir disso, Flóra selecionou, como recorte para a pesquisa, a série Castle Rock, que está disponível no canal StarzPlay da plataforma de streaming Amazon Prime Video e é inspirada em obras e personagens do universo literário do escritor norte-americano Stephen King — um dos mais importantes autores do gênero de terror. Assim, até o momento, a questão norteadora da pesquisa é “como o monstro audiovisual se atualiza na série Castle Rock?”.

Bill Skarsgard em Castle Rock. Fonte: Elaborado pela autora.

Flóra busca compreender o monstro como parte da cultura e da técnica, como uma qualidade que se atualiza de diferentes formas e dura para além das plataformas; isto é, como uma construção audiovisual influenciada pelo meio em que está inserida assim como pelos usuários que a consomem. Recorrendo a autores como Flusser, Bergson, Hansen e Kilpp, a pesquisadora também evidencia a potencialidade de abordar o corpo e a memória — da mídia e do usuário. Na pré-análise, a doutoranda apresenta um relato acerca do monstro como construto audiovisual por meio de relações estabelecidas entre a série Castle Rock (da interface do canal Starzplay) e a presença da narrativa seriada fora do seu contexto original, apontando a necessidade de considerar todos os vestígios de monstro “dentro da narrativa ou em outras que possam surgir a partir da interface e suas profundidades”.

Ao longo do seminário de tese, os professores Gustavo Fischer e Tiago Lopes realçaram o comprometimento e a organização da doutoranda, assim como as adequadas apropriações dos conceitos trabalhados na linha de pesquisa e aplicados em seu texto. Também ocorreram comentários questionando a escolha de apenas uma plataforma de streaming e sugestões que indicavam um foco maior na figura do monstro desde a fundamentação teórica até a maneira como os usuários constroem esse monstro.


Leonardo Andrada de Mello — Historicidade Tecnocultural Lúdico-Subversiva na Produção de Jogos Digitais no Brasil

O doutorando Leonardo Andrada de Mello visa questionar em sua pesquisa como uma historicidade afetiva lúdico-subversiva é acionada na produção de jogos digitais brasileiros independentes, pensando a memória e o afeto como uma dimensão política na produção de jogos independentes no país e pensando o jogo enquanto artefato cultural, enquanto parte do processo midiático e como uma expressão da tecnocultura audiovisual, “onde quem joga é corresponsável pela montagem”, partindo de autores como Huizinga, Galloway, McLuhan e Chun como embasamento teórico.

Como proposta metodológica, Leonardo se utiliza da arqueologia das mídias, ou seja, realizando escavações à procura de “elementos que não são vistos nas produções hegemônicas”, buscando fazer as operações, inspirado na sistematização de Marcio Telles, de des-escrever, escrever, descrever e reescrever a história. Com isso, o autor pretende procurar os pontos de fissura onde as narrativas da grande indústria “passaram a ser o ponto de vista adotado pela maioria das pessoas que jogam”, observar possíveis pontos de ruptura, “procurar pelas tendências aparentemente esquecidas que duram” e “olhar as estéticas e códigos abandonados e, por vezes, resgatados nas construções desses novos jogos criados nesse novo contexto”.

Sítios de escavação. Fonte: elaborado pelo autor.

Como próximo passo da pesquisa, o doutorando pretende realizar o processo de reescrita dessa história, usando como empíricos os jogos criados pelo Mais Ódio, Menos Playstation, do coletivo Peteca, e pelo estúdio GameArte, da (in)visible Games.

Sobre o trabalho de Leonardo, os docentes Sonia Montaño e Tiago Lopes comentaram que é uma pesquisa potente e que apresenta autores pertinentes, mas também apontaram que alguns conceitos precisam ser melhor definidos e explanados, como a questão da virtualidade lúdico-subversiva, tema central do trabalho. Os professores sugeriram pensar a brasilidade e o construto do subversivo no contexto do trabalho, focar nos pontos do lúdico-subversivo e da historicidade tecnocultural, desenvolver melhor a ideia do jogo como tecnocultura audiovisual e hierarquizar melhor os conceitos fundamentais e secundários.


Texto: Amerian Aurich e Ananda de Albuquerque

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