* A doutoranda Aline Corso, orientada pelo Dr. Gustavo Fischer, está em período de coleta de dados na Coreia do Sul, onde desenvolve tese sobre Nam June Paik, com uma visada tecnocultural, imagética e memorial.
“The More, The Better”, ou “Dadaikseon”, é uma instalação projetada por Nam June Paik e o arquiteto Kim Won com 1.003 monitores de TV (número que simboliza 3 de outubro, o Dia da Fundação Nacional da Coreia), 11 metros de diâmetro, 18.5 metros de altura e peso de 16 toneladas. Foi criada para celebrar os Jogos Olímpicos de Verão em Seul de 1988, possuindo o formato de bolo de aniversário. O título é uma ironia, apontando para as raízes da produção em massa e na cultura do consumismo como um reflexo da ambição econômica da Coreia do Sul.
A obra fica no centro de uma rampa em espiral sob um teto abobadado de vidro no National Museum of Modern and Contemporary Art (MMCA), na cidade de Gwacheon, na Coreia do Sul, e, à medida que os espectadores sobem a rampa, imagens que mudam caleidoscopicamente gradualmente aparecem. A combinação da luz natural, projetada através da cúpula, e a poderosa luz eletrônica emitida pelos mais de mil monitores parece reencenar a história de quando a luz do dia foi criada. No entanto, devido à deterioração e à descontinuação dos monitores utilizados na obra, mais de 300 monitores não estão em operação. Em 2003 todos os monitores foram substituídos, porém, nos últimos anos, muitos apresentaram mau funcionamento e um teste de segurança realizado revelou que as partes superiores do trabalho podiam ser um risco de incêndio e a obra foi desligada.
De acordo com o site Korea JoongAng Daily, em associação com o The New York Times (2022, tradução nossa), foi realizada uma conferência internacional sobre a preservação das obras de vídeo de Paik em 2012 e uma grande diversidade de opiniões foi oferecida. O objetivo era manter o exterior da obra intacta. Park, chefe da equipe de exposições do MMCA, afirma que “uma obra de arte reflete a época em que foi criada e os aparelhos de televisão CRT para ‘The More, The Better’ representam a mídia do século 20. É dever do museu manter o espírito da época na obra de arte”.
Como um monitor CRT médio dura aproximadamente 10.000 horas quando executado 24 horas por dia – o que se converte em 417 dias inteiros – eles foram substituídos por monitores LCD ou LED mais planos, mais leves e baratos que duram mais a partir do início dos anos 2000. Na verdade, 23 dos 40 especialistas consultados pelo MMCA disseram que os monitores deveriam ser substituídos por monitores LED, enquanto apenas 12 afirmaram que a tecnologia pré-existente deveria ser mantida. Cinco tinham outras opiniões.
Por exemplo, Jung-Sung, um técnico que trabalhou com Paik na instalação da obra, o próprio Nam June Paik muitas vezes expressou vontade de usar a tecnologia mais recente durante sua vida. Outros que estão do lado das substituições de LEDs incluem Kim Nam-soo, ex-pesquisadora do Nam June Paik Art Center; Kim Won, o arquiteto que construiu a estrutura de “The More, The Better”; Kim Hong-hee, presidente da Fundação de Cultura Nam June Paik e ex-diretora do Museu de Arte de Seul; Chung Joon-mo, presidente do Korea Art Authentication & Appraisal Research Center e ex-curador do MMCA; e Bernhard Serexhe, ex-curador-chefe da ZKM e também consultor certificado para arte eletrônica e digital. Aqueles que são a favor da manutenção de monitores CRT incluem Lee Won-gon, professor de arte ocidental da Dankook University; artista Shin Ki-woun; Cecile Dazord, curadora do C2RMF; Morgane Stricot, conservadora de mídia e arte digital da ZKM; e Solange Farkas, diretora de videoarte no Brasil.
De acordo com Park, o motivo pelo qual o museu optou por usar principalmente monitores CRT com uso mínimo de LEDs foi “preservar ao máximo a forma original”. Como a obra é grande, os visitantes veem os monitores de vários ângulos, e os LEDs realmente parecem menos brilhantes do que os CRTs se vistos obliquamente. Assim, o trabalho pode parecer menos vibrante com LEDs. Mesmo que não haja mais fábricas de monitores CRT na Coreia, “não é impossível manter os monitores CRT”, de acordo com Park – mesmo que eles tenham que ir a mercados de segunda mão ou importar CRTs da China.
“Chegamos à conclusão de que é papel do museu manter o espírito da era do ‘The More, The Better’”, disse Park. “E o que queremos dizer com o espírito da era de Nam June Paik é que cada monitor representa o dia e a era dos tempos em que Paik estava vivo e fazendo seus trabalhos. Embora inevitavelmente chegue um momento em que devemos usar a tecnologia LED, o importante agora é manter a forma próxima ao original, deixando nossas portas abertas para novas tecnologias. Não devemos parar nossas pesquisas e acumular [mais estudos] para o futuro”, disse ela.
O MMCA começou a restauração e planeja ter a obra em execução novamente a partir do segundo semestre de 2022 – ano que marca o 90º aniversário do nascimento de Nam June Paik e, por isso, museus e centros de arte coreanos estão se preparando para revisitar o imponente legado deixado pelo visionário da videoarte.
De acordo com Hanna B. Hölling, historiadora da arte, conservadora e pesquisadora na University College London, no seu livro “Paik’s virtual archive: time, change, and materiality in media art” (2017), a arte de Paik opera como uma meditação presciente sobre potencial efêmero e transformador da tecnologia. Aproveitando as teorias do tempo de Bergson e Deleuze, Hölling teoriza as influências passadas de tal forma que o presente é a sobrevivência do passado, onde “a conservação torna-se uma intervenção temporal que muda e interpreta objetos introduzindo rupturas, intervalos e intervalos no que é de outra forma um continuum” (p. 105). A restauração de uma obra de artemídia, assim, torna-se uma espécie de performance de múltiplos passados – “as coisas mantêm sua identidade ao longo do tempo, mesmo que mudem fisicamente” (p. 138).
Apesar de seu foco na multimídia de Paik, os achados da pesquisa de Hannah podem também aplicar-se a outras instalações que se caracterizam por rematerializações contínuas, mutabilidade, heterogeneidade e materialidade temporal. Para ela,
“quando a mídia sofre a obsolescência que é fruto do próprio progresso, a questão de saber se o meio é mais importante que a mensagem é mais real que nunca. Assim, nossa tarefa, baseada no conhecimento derivado do domínio arquivístico, é escrutinar as obras de arte com as quais estamos engajados e pesar o sistema de dependências entre o meio e a mensagem no e através do presente contexto cultural. Nossa tarefa é também deixar em aberto interpretações futuras, não em termos da noção questionável de reversibilidade, mas na abertura do arquivo a futuras interpretações da obra. A ‘reversibilidade’, ou o que agora pode ser substituído pelo termo ‘reinterpretação arquivística’ tem sua razão e fundação no arquivo; o arquivo será doravante uma condição de possibilidade para mudança de obras multimídia em outro presente, ou futuro ainda diferente”.
(Hölling, 2013, p. 262, tradução nossa).
* Leia também a primeira matéria da série, TCAv no Exterior: Nam June Paik Library Machine.
Fonte:
https://en.yna.co.kr/view/AEN20220120006500315
https://www.mmca.go.kr/eng/pr/newsDetail.do?bdCId=202205170008250
Hölling, H. B. (2013). Re: Paik. On time, changeability and identity in the conservation of Nam June Paik’s multimedia installations. Boxpress.
Autora: Aline Corso
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