#TecnometodologiasTCav: Arqueologia em um banco de dados analógico.

  • Os textos que compõem esta seção constituem uma investigação dos procedimentos técnico-metodológicos utilizados nas pesquisas de mestrado e de doutorado de integrantes e de egressos do Grupo TCAv.
Título do trabalho: O código He-Man: narrativas forjadas em um banco de dados analógico 
Nível: Mestrado 
Autor: Augusto Ramos Bozzetti 
Orientador: Dr. João Damasceno Martins Ladeira 
Ano de defesa: 2019
Tags: Desenhos animados; Ambiente televisivo; Mídias digitais; Cinema de animação; Cartoon; TV environment; Digital media; Animation cinema
Softwares utilizados: Windows Media Player, Adobe Photoshop  e Adobe Premiere; Outras ferramentas e materiais: Acetato, material de desenho, câmera fotográfica do celular.
Link da dissertação: http://www.repositorio.jesuita.org.br/handle/UNISINOS/8907?show=full

Sobre o pesquisador: Augusto Ramos Bozzetti

Augusto Ramos Bozzetti é doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e Mestre pelo mesmo programa. Possui graduação em Produção Audiovisual pela Universidade Luterana do Brasil (2015). Foi sócio diretor da Cartunaria Desenhos entre 2003 e 2015, onde produziu trabalhos de animação comerciais e autorais para a TV e o cinema, com ênfase na série X-Coração (2014), em exibição nos canais TV Brasil e Disney XD. É Roteirista e Diretor do longa-metragem de ficção “Eu não vou dizer eu te amo” (2015), fundador da produtora 2Z2T Filmes e foi Coordenador de Formação do CAV – Centro Audiovisual de São Bernardo do Campo.

Sobre a dissertação de mestrado “o código He-Man”

Sua dissertação, O código He-Man: narrativas forjadas em um banco de dados analógico, foi defendida em 2019 com orientação do professor Dr. João Ladeira, e partiu do interesse nos procedimentos de produções televisivas de séries de animação. Para contextualizar e construir seu problema de pesquisa, identificou o ambiente televisivo como um espaço audiovisual que demanda uma quantidade agressiva de geração de conteúdo, além de exigir a realização de um trabalho com prazos e orçamentos extremamente restritos. A partir desta identificação, percebeu uma potência de programação de banco de dados no processo produtivo de animações nos contextos televisivos, mesmo em tempos analógicos.

“Nesse método, é criado o que os estúdios costumam chamar de ‘bibliotecas’, que consistem de uma série de pequenos trechos animados de diversos gestos dos personagens que serão usados depois, durante a produção. Assim, ações básicas como caminhar, correr, mover a cabeça em diversas direções, piscar e até falar (entre tantas outras possibilidades) não esperam pelo roteiro para serem criadas. Essa bibliotecas, portanto, criam uma espécie de banco de dados que pode ser acessado a qualquer momento para agilizar a produção” (p. 11)

Bozzetti identifica em “He-Man” a inversão da hierarquia criativa das narrativas em produções audiovisuais cinematográficas. Enquanto no cinema primeiro ocorre a escrita do roteiro para depois serem filmadas as cenas, em He-man a biblioteca de movimentos é prévia à roteirização.  Passa a compreender, então, que a operação na produção de He-Man é “a de um código que é escrito a partir de um banco de dados até certo ponto simples e limitado, mas que trabalha no intuito de produzir uma gama muito maior e mais complexa de sentidos que aqueles que cada elemento, separadamente, é capaz de fazer” (p. 12). Dessa forma, os processos de produções audiovisuais na animação televisiva, de uma perspectiva tecnocultural, podem ser compreendidos como pautados por um banco de dados, que possibilita as histórias.

Princípios dos Bancos de Dados

Bozzetti busca em Manovich a modularidade, a variabilidade e o banco de dados, construindo seu objeto pela perspectiva da organização dos objetos de mídia, os quais funcionam descontinuamente e em que coalescem o analógico e o digital. 

Assim, entende a modularidade como “a capacidade que qualquer objeto manipulado digitalmente tem de ser constituído de partes separadas que podem ser rearranjadas sem alterar o conteúdo final completamente”, ou seja, uma estrutura de fragmentos, que podem constituir objetos maiores, mas sem perder suas identidades quando separados.

Da variabilidade extrai a noção de que elementos são armazenados em uma base de dados, sendo acessados conforme necessidade, e ao separar o conteúdo da interface, poderá gerar novas interfaces a partir dos conteúdos. A variabilidade estaria ligada também a uma lógica pós-industrial de produção sob demanda. Nela é possível determinar e aplicar sobre um modelo as características do objeto desejado, em contraposição à lógica industrial, que oferece apenas cópias de modelos únicos invariáveis.

Por fim, destaca características do banco de dados que se aplicam à produção de He-Man e outras séries televisivas em animação, como sua capacidade de ser expandido indeterminadamente, afinal, o banco de dados funciona tanto fornecendo, quanto recebendo novas informações. Ainda, aponta que nenhum significado emerge dessa estrutura por si só, sendo necessário um elemento externo para agir sobre o banco de dados e produzir algo dele. É possível pensar nos algoritmos, mas na sua dissertação, Bozzetti aponta o roteiro como o elemento externo que opera o banco de dados para produzir sentidos.

Arqueologia da mídia e sua operacionalização em 4 procedimentos

Para trabalhar o devir banco de dados presente nas animações televisivas analógicas, Bozzetti utilizou uma abordagem de arqueologia da mídia, por meio do contato com a materialidade, lidando com o objeto no presente. Assim, desenvolveu quatro procedimentos/etapas para lidar com seu empírico: a escavação (busca dos objetos empíricos em determinado terreno; considerou o seu o site Biblioteca dos Cartoons); a dissecação (desdiscretizando a imagem técnica do audiovisual); o matching (procedimento análogo à análise de impressões digitais como de uma determinada pessoa, pela sobreposição delas) e a reconstituição (baseando-se na ideia de reconstrução facial forense, devolvendo a materialidade aos restos mortais de um crânio para especular sobre sua existência).

Na etapa de dissecação ele utilizou Windows Media Player para assistir, pausar e tirar print de todos os planos de cada um dos episódios analisados, e os frames que variavam em cada plano. Continuando a desdiscretização característica da dissecação, passou ao Adobe Photoshop, em que foi capaz de isolar as partes que compunham os personagens, dando a ver a modularidade da animação. No exemplo abaixo, isolou apenas o elemento de desenho que variava, a boca do personagem.

Na imagem abaixo, ele traz mais exemplos de movimentos modulares de He-Man.

No processo de matching sobrepôs diferentes cenas, buscando verificar como as partes eram reaproveitadas inclusive em personagens diferentes. Para isso precisou utilizar as layers do Photoshop, que são camadas transparentes as quais possibilitam essa sobreposição e a visibilidade dos elementos em cada uma delas. 

Da mesma forma como a transparência das camadas (ou layers) do Photoshop possibilitam a sobreposição e visibilidade de diferentes partes ao mesmo tempo, o processo de animação artesanal também se dá com esta lógica. As camadas são lâminas de acetato transparente, em que pode ser desenhada uma parte em cada uma e mudar apenas o pedaço em que de deseja criar movimento.

Para melhor demonstrar esse procedimento, Bozzetti realizou a reconstituição. Para tanto, utilizou folhas de acetato, redesenhando um trecho de He-Man. Após, fotografou as imagens geradas com o celular e montou o vídeo no Adobe Premiere no computador.

Validando e percebendo o banco de dados em He-Man

O capítulo de análise detalha os comparativos realizados entre os planos da série para verificar a semelhança do procedimento utilizado em He-Man (e outras animações televisivas deste estágio técnico) com o banco de dados conforme os princípios elencados por Manovich.

Assim, Bozzetti seleciona 10% dos episódios de He-Man, tentando manter um bom espaço temporal entre as partes escolhidas para análise. Isso permitiu uma amostragem relevante, bem como compreender e perceber o quanto o banco de dados dos fragmentos de desenhos voltavam a se repetir com maior frequência nos últimos episódios.

A sua pesquisa contou com mais de 90 figuras no capítulo de análise, totalizando mais de 900 planos. Os planos foram comparados um a um com todos os anteriores, possibilitando perceber as repetições da s partes desenhadas.

Texto: Juliana Koetz

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