Audiovisualidades na Pandemia: As múltiplas telas e a hibridização na CPI da Covid

Criada em abril de 2021 com o intuito de apurar ações e omissões do governo federal e fiscalizar a aplicação de recursos durante a pandemia do novo coronavírus no Brasil, a CPI da Covid-19, utilizando-se de inúmeros materiais comunicacionais, acabou expondo a relevância e o potencial do audiovisual e das mídias sociais a partir de uma ambiência tecnocultural. Desta forma, a série Audiovisualidades na Pandemia é retomada propondo refletir acerca dos impactos nas relações estabelecidas com o audiovisual através da CPI (Comissão Parlamentar De Inquérito) da Pandemia.

Em meio a um contexto pandêmico e de isolamento social, o envolvimento da população com programas televisivos, lives musicais e diversas outras formas de informação e de entretenimento mostrou-se acentuado. Além disso, o confinamento, por conta do coronavírus, intensificou o acesso virtual e amplificou o enfoque em determinados assuntos, como é o caso da política e, consequentemente, da CPI da Covid. O reconhecimento desse interesse é percebido através do elevado alcance expresso por meio de números como as mais de 22 milhões de visualizações no canal da TV Senado no YouTube ou a liderança (segundo o PNT – Painel Nacional de Televisão) no ranking de televisão por assinatura do canal GloboNews com a cobertura da CPI.

Globonews e a cobertura da CPI da Covid. Fonte: Site UOL

Se, anteriormente, as imagens enquadradas por monitores e aparelhos celulares já haviam se estabelecido na rotina de parte da população, durante a pandemia da Covid-19 essa inter-relação de humanos com máquinas intensificou-se. Utilizadas para as mais variadas finalidades (como estudos, trabalho e/ou lazer), as telas serviram também de instrumento para a obtenção de informações. De certo modo, tais práticas expõem a ascendência do audiovisual, visto que o mesmo mostra-se gradativamente intrínseco a certos hábitos. Aproximando essa realidade da CPI da Covid, observa-se que as formas de acesso às sessões e aos temas abordados no decorrer delas são múltiplas, seja através de telejornais, plataformas de compartilhamento de vídeos ou até mesmo redes sociais.

Além da multiplicidade nas formas de acesso, a pluralidade das telas também está inserida nas próprias sessões da CPI; durantes algumas delas, foram exibidas, por meio de materiais audiovisuais, capturas de telas, trocas de áudios e até mesmo reportagens relacionadas aos temas debatidos. A partir disso, verifica-se que essas inúmeras telas expostas estabelecem a inclusão de informações apresentadas em camadas, sejam elas mais intrínsecas ou superficiais. Apesar de cada imagem naturalmente possuir inúmeras camadas de significância, essa sobreposição expande e potencializa cada uma delas.

“Multiplicaram-se os suportes, cada um com sua tela. Mas também as telas dentro das telas vêm se multiplicando, telas que disputam entre si o espaço de cada telinha e de cada telão” (KILPP; LOPES; MONTAÑO, 2014, p.2). Profusas materialidades exercem a função de “emoldurar” acontecimentos na CPI da Covid, porém, esses emolduramentos não se tratam apenas de contornos ou destaques, mas sim de superfícies com diversas camadas de sentido. Um exemplo marcante dessas “telas sobre telas” na CPI da Pandemia trata-se da sessão realizada no dia 25 de junho de 2021, quando uma reportagem realizada pelo Jornal Hoje (Rede Globo) foi projetada na CPI que era exibida pela TV Senado e pelo canal CNN e que podia ser assistida pelo YouTube ou algum serviço de streaming como o Globoplay. 

As múltiplas telas durante a transmissão da CPI da Pandemia.

Com o avanço das tecnologias, que possibilitam reinvenções contínuas, há uma espécie de hibridização e expansão dos meios, uma vez que as características específicas de cada um (televisão, internet, etc) se misturam. Baseada na transformação não apenas dos meios técnicos, como também, da relação construída com o público, a união dos campos político, midiático e social têm se tornado progressivamente mais interativa e os receptores “[…] estes, por sua vez, são destacados como também protagonistas e emergentes da cena contemporânea” (FISCHER, 2013, p.43).

Ao longo da CPI da Covid, pode-se observar conteúdos gerados na internet e utilizados pelos membros da comissão, como é o caso das perguntas sugeridas em stories no perfil do Instagram do senador Renan Calheiros e que foram destinadas ao ex-ministro da saúde, Eduardo Pazuello, durante uma sessão de depoimentos. Além disso, os diversos desdobramentos midiáticos e a alta circulação de conteúdos imagéticos contou ainda com figurinhas produzidas e compartilhadas no aplicativo de mensagens WhatsApp, memes no Twitter, testes no site Buzzfeed (realizados e divulgados por políticos da comissão nas redes sociais), o programa Adnet na CPI, do Globoplay (narração em tom humorístico e crítico da CPI da Pandemia), entre vários outros.

Renan Calheiros e o uso do Instagram na CPI da Covid-19. Fonte: Site Poder 360

Além da ênfase atribuída pelas mídias tradicionais e seus desdobramentos na internet, houve também a produção de conteúdos pautados na CPI da Covid por youtubers, influenciadores digitais, streamers, etc. Com foco nos assuntos abordados pela Comissão Parlamentar De Inquérito, transmissões ao vivo e vídeos de comentários se proliferaram pela web. Usado majoritariamente para games, o serviço de streaming de vídeo ao vivo Twitch dispôs de novas apropriações durante a pandemia, é o caso das transmissões comentadas da CPI no perfil de Orlando Calheiros (Doutor em Antropologia Social – UFRJ) e do perfil Gamer de Esquerda, que inclusive gamificava a transmissão ao realizar o “bingo da CPI da Covid”.

Percebe-se que a pandemia e o isolamento social gerados por conta do novo coronavírus tem acentuado o consumo de produções audiovisuais de todos os formatos e que alguns dos impactos percebidos consistem na função construtiva da narrativa e no engajamento em relação a estes produtos. Apesar do caráter político e não propriamente de entretenimento da CPI da Covid, a espetacularização política unida à uma lógica seriada audiovisual conquistou a atenção e o interesse do público.

Texto: Amerian Aurich

Revisão: Camila de Ávila

Referências: 

FISCHER, Gustavo Daudt. Tecnocultura: aproximações conceituais e pistas para pensar as audiovisualidades. In: Kilpp, Suzana; Fischer, Gustavo Daudt. (Org.). Para entender as imagens: como ver o que nos olha? Porto Alegre: Entremeios, 2013.

KILPP, Suzana; LOPES, Tiago; MONTAÑO, Sonia. Montagem espacial e potencialidades do audiovisual locativo no cenário urbano. Revista Eco-Pós (Online), v. 17, n.2, 2014. Disponível em: <https://revistas.ufrj.br/index.php/eco_pos/article/view/1468>.  Acesso em: 23 julho de 2021

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