Filmes de pé e a tecnocultura na pandemia

Curioso perceber os impactos da pandemia numa das mais tradicionais formas de audiovisual: a produção cinematográfica. Aqui no RS, o Festival Fantaspoa lançou uma versão online da competição chamado “Fantaspoa At Home”, que teve como mote incentivar a produção de filmes feitos no isolamento (e, por tabela, incentivar o isolamento em si). Enquanto a televisão mira em reprises e jornalismo home office, o desafio de construir narrativas de ficção com as limitações óbvias de quem está isolado e ainda ser criativo e original, atualiza o cinema nesses filmes quarentenados como um sintoma tecnocultural de um ambiente transformado pelas ferramentas digitais, onde o destaque da vez é o smartphone.

O filme “Pra Ficar Perto”, do cineasta e graduando em Publicidade e Propaganda pela Unisinos Lucas Reis, foi o vencedor na categoria “melhor curta gaúcho” e chama a atenção para uma breve arqueologia do presente. Na sua estética, surge a emergência de uma tela de pé (ou vertical) como uma audiovisualidade do smartphone que é cooptada para uma ficção que dela depende para instituir suas lógicas narrativas, construídas pela supremacia das mensagens de texto sobre as videochamadas como uma marca da ubiquidade de aplicativos tipo whatsapp nos processos audiovisuais contemporâneos. Ao invés de um smartphone que tenta emular o cinema tradicional (afinal, filmes feitos no celular não são essa novidade toda), celebrado como evolução ou progresso da tecnologia (que cabe no bolso não só no sentido literal), aqui é o cinema que imita o telefone para seguir comunicando num mundo em processo de audiovisualização.

Frames do filme “Pra Ficar Perto” de Lucas Reis

Se a transformação tecnológica pelo digital já havia ressignificado o papel do estúdio e do set de filmagem atravessado por questões sociais e econômicas, a pandemia adiciona a distância e o confinamento provocado pelo vértice das questões sanitárias como elementos decisivos em processos que culminam na realidade audiovisualizada da pandemia como uma marca da tecnocultura.

Texto: Augusto Bozzetti

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