Minha Pesquisa no TCAv – Aline Corso

Aline Corso*

Dando seguimento a nova série de conteúdo do TCAv, chamada “Minha pesquisa no TCAv”, serão apresentadas diversas perspectivas sobre as pesquisas dos estudantes da linha de pesquisa Mídias e Processos Audiovisuais e a relação que cada um possui em sua jornada no PPGCC UNISINOS com sua pesquisa e o envolvimento com o TCAv.


A minha pesquisa se inscreve em uma zona de interrogação sobre a potência da (de)regenerabilidade de obras de artemídia em ambientes on-line. Assim, retomo temas já reconhecidos em domínios variados, na expectativa de compreender os enredamentos que ali se apresentarem. Com inspiração flusseriana (1995), pretendo abrir a “caixa preta” dessas imagens técnicas: acredito que tensioná-las irá abarcar a relação entre o homem (o ser codificador) e o mundo (a ser codificado) – levando a pensar nos sentidos complexos que ali atuam -, e também percebendo as camadas materiais/temporais/memoriais ali registradas.

Vivemos em uma sociedade midiatizada e softwarizada e Fischer (2010) propõe pensar em um modo de produzir pesquisas de audiovisual com uma “visada tecnocultural”, onde a técnica comove a sociedade e vice-versa, e Kilpp (2010, p. 20) versa sobre uma “audiovisualização da cultura sem precedentes”, onde tudo (incluindo coisas consideradas triviais) têm potência para se tornar audiovisuais, e propõe a reflexão: “qual a natureza imagética desse audiovisual e dessa cultura?”.

As audiovisualidades, em definições bergsonianas, são uma virtualidade, pois é o modo de ser, e agem se atualizando no audiovisual. Essas atualizações ocorrem de modos profusos, pois todo invento segue a logicidade e articulação do(s) instrumento(s) tecnológico(s). As audiovisualidades, então, são uma potência audiovisual nos objetos de comunicação – elas desconstroem os modelos clássicos do cinema, da televisão, entre outros, e nos levam a pensar em como se caracterizam, quais são os seus atributos assim como as suas tendências na tecnocultura contemporânea. Tecnocultura é um conceito continuamente em edificação. No domínio das humanidades, para Shaw (2008), articula a produção artístico-cultural com o desenvolvimento tecnológico e pensar tecnoculturalmente “envolve considerar o surgimento e desenvolvimento dos meios de comunicação e representação como resultantes de processos de mútuo contágio entre tecnologia e cultura, ou ainda, trazer a dimensão da técnica enquanto um construto cultural” (FISCHER, 2015, p. 64). Audiovisualidades e tecnocultura são amparadas pela dimensão da memória.

Bachelard (1973, p. 129) proclamava que “é mais o objeto que nos escolhe do que nós o escolhemos”, então, a seguir, relato, brevemente, o caminho que trilhei até formular a atual pesquisa, que está em fase de qualificação:

Primeira estruturação da pesquisa: prefigurei um problema de pesquisa, expresso através da seguinte pergunta: se a arte computacional é baseada em elementos intangíveis, como devemos preservá-la?

Segunda estruturação da pesquisa: o meu olhar estava para a conservação, documentação, circulação e restauração da artemídia. Avancei na pesquisa, através da leitura de textos de Arlindo Machado, Priscila Arantes, Gobira, Mucelli e Prota, e me senti segura em prosseguir no diálogo entre as áreas da arte, tecnologia e comunicação. Nesse ponto, eu já não falava mais em “arte computacional”, mas sim “artemídia” – buscando uma aproximação com a Comunicação. Assim, a partir do tema exposto, o projeto estava em adequação à LP Mídias e Processos Audiovisuais do PPGCC, onde o olhar acerca da artemídia se dá sobre um aspecto da tecnocultura audiovisual. Portanto, entendi que seria pertinente dar prosseguimento a pesquisa, no sentido de investigar problemas e possibilidades de memória de artemídia em perspectiva tecnocultural, filosófica e arqueológica;

Terceira estruturação da pesquisa: o misto virtual-atual era: “como a tecnocultura da obsolescência se atualiza na artemídia nascida digital?“. Com isso em mente, consegui avançar na pesquisa, fazendo um bom recorte bibliográfico e produzindo diversos resumos expandidos e artigos completos em anais de eventos e periódicos;

Quarta estruturação da pesquisa: reflete um avanço na pesquisa – pensei em realizar uma cartografia pela web em busca de construtos de memória regenerativa de artemídia. Aqui, eu já visualizava que, na minha pesquisa, deveria me atentar para dois elementos que influenciam os processos comunicacionais contemporâneos: a tecnologia (e a sua amplificação com lógica comercial sobre o espaço comunicacional) e o midiático (em seus variados aspectos de difusão e produção de valor);

Quinta estruturação da pesquisa: o misto da pesquisa tinha como pergunta como a regeneração enquanto qualidade tecnocultural se atualiza em ambientes on-line voltados à produção de presença da artemídia?

Sexta (e atual) estruturação da pesquisa: o misto bergsoniano da pesquisa tem como pergunta como a (de)regenerabilidade de artemídia, enquanto qualidade tecnocultural, se atualiza em ambientes on-line a partir de uma arqueocartografia perseguindo os rastros do artista Nam June Paik? 

A (de)regeneração da artemídia, como um modo de ser, uma multiplicidade de múltiplos, e o modo como essa qualidade se atualiza em ambientes on-line diz respeito a um modo de agir específico, que sempre acomoda um fragmento de virtualidade para as novas atualizações que irão ocorrer, conforme apontado por Kilpp (2013). Pragmaticamente, eu procedo de um objeto (no meu caso as obras de artemídia) e o fragmento levando em consideração a sua matéria e sua memória. As virtualidades se entrelaçam para formar uma nova materialidade e é aí que o pesquisador pode apontar associações congruentes que respondam ao problema de pesquisa. A proposta, portanto, realiza um movimento de visão comunicacional quanto ao estabelecimento da (de)regeneração de imagens de artemídia enquanto qualidade da tecnocultura audiovisual.

Não desejo compreender os processos de conservação-restauração de uma obra de artemídia exposta em museu ou centro artístico-cultural, mas sim entender os processos decorrentes de quando ela é “retirada” de seu espaço de origem e “levada” para ambientes on-line – o que proponho é pensar no processo cíclico de (de)regeneração que ocorre nesses lugares de memória.

A tese em curso está representada no esquema sinóptico, embasada no arcabouço teórico e nos movimentos arqueocartográficos, conforme segue. Ressalto que, por ainda estar na etapa de qualificação, não reprimo, é claro, a entrada de novas perspectivas teóricas e metodológicas.

Esquema sinóptico
Arcabouço teórico
Movimentos arqueocartográficos: trajeto percorrido

Essa pesquisa é (mais uma) parte do fluxo de minhas vivências pessoais, profissionais e acadêmicas, somado com a minha condição de bolsista na modalidade taxa PROEX/CAPES – acredito que a relevância social deste estudo é possibilitar uma nova forma de pensar, em um primeiro momento, sobre a efemeridade das obras de arte criadas com computadores e, assim, despertar atitudes para que artistas, instituições e governos criem parâmetros para preservação-conservação dessas obras (em ambientes on-line), mantendo elas “vivas” no futuro. A sociedade, como um todo, é prejudicada quando manifestações artístico-culturais desaparecem – parte da nossa própria história também é apagada.

A escolha pelo artista Nam June Paik se dá por três motivos: o primeiro, de ordem pessoal (sou admiradora de suas obras ), o segundo é pela sua expressão na História da Arte (ele é considerado o “pai da videoarte” e suas criações são resultado de sua imaginação – e inquietação – no que dizia respeito à relação homem-máquina) e, por último, a sua filiação ao grupo Fluxus (os fluxistas desejavam democratizar a arte e propor trabalhos que pudessem ser realizados pelos espectadores, sem necessidade de qualquer conhecimento prévio sobre o assunto. Como o próprio nome diz, Fluxus significa fluxo: assim pretendiam fazer ressonar arte em outros circuitos, borrando as fronteiras de movimentos anteriores, fazendo repensar o papel dos artistas e das instituições, ou seja, apontando para a arte como um processo – aberto, flexível e de experimentação).

Nam June Paik: unindo tradição e tecnologia.
Fonte: https://miro.medium.com/max/2100/1*UTsrDrhRrR8DehlZQ7GYrA.jpeg

Gostaria de finalizar esse relato enfatizando que ser membro do TCAv é uma experiência que vai além do ambiente acadêmico e profissional: é um espaço de afeto e colaboração, onde docentes e discentes estão preocupados com não apenas com a formação intelectual, mas sim com o desenvolvimento humano e, muito importante, fazer com que as pesquisas saiam do ambiente acadêmico e que se tornem acessíveis para o público. Ao meu ver, esse é o verdadeiro agir científico: conseguirmos aplicar o nosso conhecimento, em diversas esferas, para o avanço da sociedade.

Se eu desejo ter um futuro cheio de possibilidades em aberto, também tenho de respeitar o passado como uma ampla gama de possibilidades.

Siegfried Zielinski

A tese, sob orientação do Prof. Dr. Gustavo Fischer está em desenvolvimento, com o título (provisório): (DE)REGENERABILIDADE DA ARTEMÍDIA: Uma Arqueocartografia Perseguindo os Rastros de Nam June Paik em Ambientes On-line. Uma construção anterior ao conceito de problematização atual pode ser encontrada aqui: https://tecnoculturaaudiovisual.com.br/seminario-de-tese-linha-de-pesquisa-midias-e-processos-audiovisuais-2020-2


REFERÊNCIAS

BACHELARD, Gaston. A Epistemologia. Lisboa: Edições 70, 1973.

FISCHER, Gustavo Daudt. Tecnocultura: aproximações conceituais e pistas para pensar as audiovisualidades. In: Para entender as imagens: Como ver o que nos olha? In: KILPP, Suzana et al (Orgs.). Porto Alegre: Entremeios, 2010. 

FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta. Editora Hucitec: São Paulo, 1995.

KILPP, Suzana. A traição das imagens: espelhos, câmeras e imagens especulares em reality shows. Porto Alegre: Entremeios, 2010.

KILPP, Suzana. Como ver o que nos olha. In: KILPP, Suzana; FISCHER, Gustavo Daudt (Orgs.). Para entender as imagens: como ver o que nos olha? Porto Alegre: Entremeios, 2013.

SHAW, Debra B. Technoculture: the key concepts. New York: Berg, 2008.

* Doutoranda. Bolsista CAPES (modalidade taxa).

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