Minha Pesquisa no TCAv – Lucas Mello Ness

Saudações, terceira edição da série “Minha pesquisa no TCAv” –  onde serão apresentadas diversas diversas perspectivas sobre as pesquisas dos estudantes da linha de pesquisa Mídias e Processos Audiovisuais e uma reflexão acerca da pesquisa empírica (e laboratorial) para compreender as audiovisualidades e a tecnocultura a partir dos objetos empíricos.

“Lucas, sobre o que trata tua pesquisa?” Caso alguém me fizesse essa pergunta em um bar ou em um café (nos tempos não-pandêmicos), meu primeiro pensamento seria “depende; depende do quanto estamos dispostos a conversar pra que eu fale sobre vários conceitos, ideias e pressupostos que sustentam minha pesquisa”. Um dos pressupostos mais relevantes é sua inserção dentro da linha Mídias e Processos Audiovisuais do PPGCC UNISINOS e do TCAv.

O TCAv é um espaço de debate, onde são postos em xeque conceitos que me eram basilares para a compreensão do meu modo de ver a vida e pesquisa. Existem diversas formas de estudar um fenômeno, ainda mais um fenômeno comunicacional. Os dois conceitos-chave do grupo são tecnocultura e audiovisualidades – discussões mais aprofundadas podem ser encontrados nas pesquisas dos colegas de grupo e aqui em nosso site – humildemente coloco minha compreensão do tema: tecnocultura é assunção da indissociabilidade entre técnica e cultura; cultura é tudo aquilo que não é natureza, técnica é tudo que fazemos para modificar a natureza; cultura e técnica tencionam-se e se influenciam mutuamente.

Já audiovisualidades é uma construção operada a partir da imagicidade reconhecida por Eisenstein ao reconhecer que a potencialidade da justaposição – observada na análise fílmica – extrapola o âmbito de estudos audiovisuais, “uma certa qualidade cinematográfica já existia em obras realizadas antes do invento do cinema” (nas palavras de Suzana Kilpp) e que se caracteriza enquanto uma qualidade da vida (segundo reflexão de Sonia Montaño).

Tecnocultura e audiovisualidades; audiovisualidades e tecnocultura andam de mãos dadas e as vezes, parece, que até se confundem entre si.

Uma das minhas maiores dificuldades de adaptação foi em relação ao apreço e operação sobre materialidades. Eu tinha uma experiência empírica “forte” na graduação e acabei fazendo mestrado em Filosofia, uma área em que a abstração impera. Estar no TCAv significa compreender que as ideias e conceitos não nascem de abstrações, pelo contrário, elas advém do real – sob o olhar de Bergson – o encontro entre o virtual e o atual, que se dá nas materialidades que estudamos. Nesse sentido, a atenção, o debruçar-se sobre a materialidade, numa operação laboratorial de contato, experiência e vivência do objeto é fundamental.

Quando iniciei o doutorado, eu titubiava minhas intenções de pesquisa, plataformas de vídeo streaming, usuário/espectador. Foi a partir dos movimentos propostos que pude ir lapidando e conduzindo minhas ideias. Ao cabo do primeiro ano de doutorado eu tinha meu problema de pesquisa: “como os construtos de espectador se atualizam nas plataformas de vídeo streaming?

Posso afirmar que o TCAv não trabalha com muros e regras rígidas (com exceção do bergsonismo deleuziano), mas com princípios orientadores, que se adaptam a uma realidade fluida e experiência em fluxo. Ao afirmar que estudo plataformas de vídeo streaming, a minha inquietação inicial era “o que são essas plataformas” ou “como compreendê-las”, afinal de contas esse objeto apresenta uma infinidade de faces – é possível olhar seu software, seus algoritmos, seu conteúdo, sua interação nas redes sociais, um conteúdo específico, uma funcionalidade, etc. Por isso, meu primeiro movimento foi tratá-las enquanto dispositivos (a partir de Foucault, Deleuze e Guattari, e André Parente), ou seja, rede relacional de elementos heterogêneos.

Esquema proposto pelo autor para compreender a dinâmicas das plataformas enquanto dispositivos.

Observem que o espectador não aparece enquanto elemento componente deste dispositivo, não é um “nó” na rede, mas sim um elemento externo que influencia e é influenciado pela conjunção daqueles elementos. O espectador tenciona aquele conjunto complexo de relações, forçando-o a reinventar-se – às vezes o rompe, desalinha, às vezes tem um comportamento ameno, quase passivo.

Esquema proposto pelo autor, demonstra como o dispositivo – em rede – tenciona e é tencionado pelos espectadores.

A próxima questão que se avizinhava era como se dá essa relação entre espectador e dispositivo? Estou desenvolvendo um olhar a partir da arqueologia das mídias, pegando emprestado uma provocação de Erikk Huhtamo sobre Charles Musser e propondo “práticas de telas” como ato pelo qual o espectador passa a integrar as telas e seus conteúdos no seu dia a dia, tencionando-as a partir de usos e apropriações seja de ordem física-operativa, seja de ordem psico-representativa. Nesse sentido, realizei uma “escavação indireta”, observando experiências e aparatos audiovisuais, tentando delas extrair durações de práticas que são assumidas pelos espectadores e, nesse jogo, assumidas, hoje, pelas plataformas de vídeo streaming.

A perspectiva laboratorial é a experimentação acadêmica do sentido de múltipla afetação e indissociabilidade que a tecnocultura traz; esse exercício de observar, tatear, modificar, rabiscar, enfim, esse contato direto com o empírico é necessário para fazer emergir a audiovisualidade incrustada nos fenômenos. Pude perceber isso na minha pesquisa quando, num movimento inicial da propositura dos dispositivos, posicionava o espectador como “nó”, como elemento heterogêneo desse emaranhado complexo de relações. Na medida em que fui observando e exercitando esses elementos, buscando as pistas e rastros de suas posições nos objetos empíricos, é que pude constatar a exterioridade do espectador frente a essa rede. O movimento de tencionar os objetos é que leva a conclusões que a abstração reduziria a meramente especulativas.

A título ilustrativo, observemos esse aparelho de videocassete e as funções de avançar/pausar que estão presentes em plataformas de vídeo streaming.

As funções e possibilidades aclamadas no aparelho videocassete duram nas funcionalidades assumidas pelas plataformas de vídeo streaming.

Nesse momento, estou fazendo um movimento de escavações sobre as plataformas propriamente ditas. Um movimento “arriscado” e difícil; estou fazendo uma biópsia – buscando elementos de estudo em um material vivo e mutante. Para tanto, faço registro dos meus movimentos, seja em imagem, seja em narrativas, acrescendo minhas especulações.

Para finalizar, trago um elemento que serve como sintoma desse fenômeno de múltiplas afetações – as plataformas de vídeo streaming passaram forma alternativa de assistir conteúdos a crescente realidade; saíram das telas dos computadores e hoje dominam as telas dos aparelhos televisores e com isso o status de normalidade no seio dos lares, é cada vez mais fácil acessar as plataformas – onde essa afirmação se manifesta? No próprio controle remoto da televisão que utilizo para fazer minha pesquisa (e para assistir um filme em família, um jogo de futebol, ou só ficar ligada).

Controle remoto de Smart TV sinaliza os contágios entre a televisão e as platafomas.

O TCAv é um espaço rico para o desenvolvimento da minha pesquisa porque ele conjuga de uma forma única o olhar sobre a materialidade e as teorias necessárias para o debate sobre o fenômeno analisado. Ele me provoca a tecer especulações calcadas no meu empírico, sem deixar de me provocar a buscar referenciais teóricos pertinentes.

No momento atual, estou preparando meu texto de qualificação – o que faz deste texto um interessante movimento de reflexão. Fiquem ligados para as cenas dos próximos capítulos.

Se quiser buscar um “previously”, o texto sobre meu seminário de tese pode ser encontrado aqui. Meu orientador é o Professor Dr. Gustavo Fischer.

TEXTO: Lucas Mello Ness
ARTE E REVISÃO: Camila de Ávila

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